
A estrela chorou azul, acrílico s/ tela. Monica Cella.
Soneto de separação
Vinicius de Moraes
De repente do riso fez-se o
pranto
Silencioso e branco como a
bruma
E das bocas unidas fez-se a
espuma
E das mãos espalmadas fez-se
o espanto.
De repente da calma fez-se o
vento
Que dos olhos desfez a
última chama
E da paixão fez-se o
pressentimento
E do momento imóvel fez o
drama.
De repente, não mais que de
repente
Fez-se de triste o que se
fez amante
E de sozinho o que se fez
contente
Fez-se do amigo próximo o
distante
Fez-se da vida uma aventura
errante
De repente, não mais que de
repente.
A frase por si só já carrega o
peso da insensibilidade, da indiferença
Desencanto (deriv. De
desencantar)
Desencantar (de des + encantar)
Tirar, desfazer, quebrar o
encanto ou o encantamento de; causar decepção, desiludir; achar, descobrir,
encontrar coisa perdida ou difícil de achar; fazer aparecer como que por
encanto.
Desencantador (de desencantar
+ dor)
“Não tô nem aí”...
...canso de ouvir isso por aí afora,
em diferentes formatos. Até nas redes de relacionamento social existem maneiras
de expressar essa indiferença pelo semelhante, através de imagens com
mensagens direcionadas àquele que fere/feriu.
Cada vez mais isso salta aos meus
olhos, ouvidos e coração. Mas que raios de seres somos nós??? Falamos tanto em
amor ao próximo, tantos discursos bonitos e blá, blá, blá sobre amar e o escambau e ao mesmo tempo na contramão expressamos tanto desprezo pelo outro. Já reparou
nisso?
A frase vem acompanhada de um tom
sarcástico, cínico numa tentativa de empurrar o outro (quem me feriu) pra
escanteio. Colocá-lo na geladeira da indiferença, no compartimento dos malvados
e mal amados. Geralmente é colocada quando um impacto negativo vindo do outro interfere
num relacionamento, num sentimento, seja ele de qualquer natureza. De perto ou
distante, superficial ou profundo. Quando alguém fala que não está se
importando com a conduta do outro isso também tem o mesmo significado negativo,
porém na contramão da ofensa. Uma postura de fechamento, um muro imaginário que
se constrói bem ali de imediato diante do outro. Uma recusa de aceitação, uma
tentativa de proteção em última instância. Se devolvo negatividade diante de
uma ofensa ou algo que me fere também estou contribuindo com minha parcela de
agressividade, na mesma medida de quem está ferindo. Às vezes é difícil
perceber isso, que são dois caminhos na mesma direção: negatividade, egoísmo e
sentimentos aniquiladores.
Um auto engano obviamente. Uma
pseudo fuga pra lugar nenhum, tentando se proteger desesperadamente da dor e da
ferida. Do desencanto causado.
Eu não consigo ficar indiferente
ou aceitar essa postura de quem não se deixar atingir, ou faz de conta que tanto faz. Que a maldade alheia, a hipocrisia
alheia, o egoísmo alheio e outras tantas situações negativas a que estamos
expostos não tem efeito sobre mim. Eu sofro com isso sim. Eu desencanto com o
meu semelhante. È algo que fere uma parte que ainda acredita, uma porção quase criança,
quase inocente, que ainda tem fé na possibilidade de um mundo melhor. É desencanta + dor...( repare na construção da palavra) observar a indiferença e a frivolidade com que muitos tratam seu semelhante ou seus relacionamentos. Entre amigos, colegas, parceiros, irmãos, com o porteiro do prédio, com a professora/or do filho, com o vizinho, o atendente do supermercado, o garçom e por aí vai...
Depois de algum tempo aprendemos
a lidar melhor com a vulnerabilidade da exposição e apesar da dor é algo que
não paralisa, nem emudece. Aprendemos que a defensiva ou o contra ataque nem
sempre é a melhor medida. Aprendemos que permitir-se ser tocado, atingido pelo outro (mesmo em
situações negativas) pode maximizar nossas (boas) defesas. Conseguimos
construir não um muro que separa, mas uma casa interna que fortalece. Aprendemos
a enxergar que a maldade do outro é tão
somente uma parte dolorida dele mesmo que ficou enrijecida por falta de amor, de
afago, de aceitação, de tolerância e outras tantas possibilidades não
realizadas. O desafeto e a violência são apenas manifestações de feridas ainda
expostas, que ainda sangram.