Friday 18 November 2016

O BLOQUEIO CRIATIVO




"Sometimes when I'm empty, when words don't come, when I find that I haven't written a single sentence after scribbling whole pages, I collapse on my couch and lie there dazed, bogged in a swamp of despair , hating myself and blaming myself for this demented pride that makes me pant after a chimera. A quarter of an hour after, everything has changed, my heart has pounding with joy."



Gustave Flaubert

"Às vezes, quando estou vazio, quando as palavras não vêm, quando eu acho que não escrevi uma única frase depois de rabiscar páginas inteiras, desabo no meu sofá e deito-me atordoado, atolado num pântano de desespero, me odiando e me culpando por esse orgulho demente que me faz bocejar depois de uma quimera. Um quarto de hora depois, tudo mudou, meu coração bate de alegria."








As palavras acima do escritor Gustave Flaubert descrevem com precisão o estado de alma dos artistas quando atravessam um momento de vazio criativo. Condição inerente a criação de qualquer tipo de arte, o bloqueio criativo é a angustia maior de todos aqueles que criam. Seja pintura, literatura, musica, dança ou todo processo que envolve a criação de algo através da imaginação. O fantasma que habita a alma de cada artista.
Não importa qual o processo criativo eleito, mesmo os mais racionais que trabalham a sua arte com planos previamente organizados, sentem uma vez ou outra essa ausência de ideias ou uma angustiante sensação de não conseguir organizar e por em pratica o que se passa dentro da sua cabeça, no mundo da imaginação.


O grande mestre do cinema Federico Fellini usou o bloqueio criativo como alavanca e motor para criar uma de suas obras primas, Oito e Meio (1963). O filme já tinha financiamento, elenco contratado e pasmem, nada de roteiro. Fellini em meio ao caos e desespero de assumir a falta de ideias, teve uma saída grandiosa, uma fresta se abriu ao mundo mágico da sua imaginação. Usou a sua própria situação como matéria bruta para o desenvolvimento do roteiro, que fala do personagem Guido Anselmi um famoso cineasta que se encontra em plena crise criativa. O filme mistura o mundo onírico, fantástico e o mundo real de Guido revelando os percalços pelos quais a mente criativa percorre nos enviesados labirintos do território imaginativo e fantasioso dos artistas. A dor e agonia pela qual os artistas e criadores passam vez ou outra. Mestre é mestre e Fellini até mesmo na aridez mental conseguiu criar uma obra e tanto.









Wim Wenders, o cineasta alemão também falou sobre esse processo de criação no filme Asas do desejo (Wings of Desire, 1987). 
O artista que vivia nos EUA a oito anos decide voltar a sua Berlim natal e fazer um filme sobre a cidade. Wenders nao tinha nenhuma intenção inicial de fazer um filme sobre anjos, impermanência e transitoriedade e eternidade. Ele conta que andava pelas ruas de Berlim a procura de ideias na esperança de que talvez a própria cidade lhe sugerisse algo com que pudesse desenvolver um dialogo e começar sua historia. Com um poema de Rainier Marie Rilke na cabeça (sobre anjos), a percepção de varias imagens de anjos espalhadas pela paisagem urbana de Berlim, o céu da cidade sempre como elemento constante de suas buscas, ele vai aos poucos juntando as peças de seu quebra cabeça.  
O tempo e os personagens se misturam e nao há uma ordem linear e ordenada de sequencia. O filme revela sutilmente esse desordenado e complexo processo pelo qual o artista encontra um modo de expressar suas ideias.
                                              
  

O processo criativo em si mesmo é um caminho tortuoso -  doloroso muitas vezes, porque lida com emocoes em seu estado bruto e esta além do controle intelectual. O artista tem o controle sobre as técnicas utilizadas, a tecnologia e os instrumentos que ele domina. Mas o processo em si é como uma viagem ao desconhecido. Ao longo da jornada imprevistos acontecem e o resultado final sempre 'e muito maior que a soma de todas as partes - "ate certo ponto" imprevisível. O artista trabalha com uma forca desconhecida e fragmentada para ele. As informações objetivas de que ele dispõe sao perpassadas pela soma de todas as suas vivencias, experiências, pensamentos e sentimentos entrelaçados entre si. Na verdade são como inúmeros pontos dispersos num campo aberto mas de alguma maneira conectados entre si. Encontrar essa conexão, dar liga aos elementos diversos que os compõe é a natureza intrínseca da criação de toda obra de arte. O mundo imaginativo dos artistas é um campo abstrato, amplo e complexo, indefinido por natureza. Acessar esse campo,  arranjar e articular seus conteúdos é a tarefa do artista.  De modo que façam algum sentido, simbólico, intelectual, espiritual ou seja lá o que for.

Bloqueios temporários fazem parte da nossa condição humana e imperfeita. Nos apontam que somos assim mesmo, seres complexos em constante evolução sujeitos a tormentas e inquietações o que nao significa necessariamente algo negativo.  Às vezes (ou muitas vezes) é através dessas inquietações e desse desassossego que nossa alma encontra as respostas que buscamos. Outras vezes esse momento difícil nos ajuda a sairmos da zona de conforto e de caminhos já antes percorridos. Velhas formulas já testadas, conceitos decorados, ideias desgastadas pelo uso repetido.   
Os momentos de desconforto, angustia e aflição servem como alavancas que nos impulsionam para novas possibilidades, basta nos permitirmos entrar no fluxo e abrirmos a mente e o coração.


The Angels (Rainier Marie Rilke)



They all have tired mouths

and bright seamless souls.

And a longing (as for sin)

sometimes haunts their dream.

 They are almost all alike;

in God’s gardens they keep still,

like many, many intervals

in his might and melody.
  
Only when they spread their wings

are they wakers of a wind:

as if God with his broad sculptor-

hands leafed through the pages

in the dark book of the beginning.






P.S. Meu amigo artista Rodrigo Tessaro me escreve seu ponto de vista sobre o que falei acima. Reposto aqui a troca de mensagem entre nós dois como uma maneira de enriquecer o texto e dar mais vida as palavras...


Moniquete! Muito bom compartilhar ideias!
Preciso discordar de uma coisa: bloqueio criativo. Na verdade, estou me baseando em mim mesmo. Acredito que passamos por momentos não muito criativos por não estarmos criando com pincéis, tintas etc., mas o tempo todo estamos substituindo esses meios através de fotografias de uma simples ou deslumbrante paisagem, admirando um céu azul cobalto ou um pôr do sol com toda a variedade de cores indescritíveis, enfim, a contemplação. Pra quem observa, não é preciso muito mais... O que tem acontecido comigo é que estou meio cansado de repetir a mesma coisa, as mesmas figuras apenas em situações diferentes. Resolvi, então, estudar algumas técnicas. Ah! E comprar materiais de excelente qualidade e grande diversidade: aquarela, guache, óleo, acrílica, grafites e outras minas como sépias e pretos. Nossa! Como isso resolve muita coisa. Cores transparentes, opacas, frias, quentes, marrons, cinzas que só se consegue através desse tipo de material. O suporte, o pincel (!!!) quando são de uma matéria prima de primeira causam um efeito tão surpreendente que... sem palavras. O problema da técnica pura e simplesmente é a falta de possibilidade de criar. Parece-me que estou simplesmente copiando, mesmo que o resultado seja agradável. Mas, conhecer, testar, experimentar, estudar, pôr em prática vai abrindo um canal que antes era impensável. Certa vez, na Belas, alguém durante uma aula de pintura disse que não conseguia pintar nada, que não fluía e você retrucou: quando não tenho nada para pintar, já tenho um ponto de partida! Achei incrível e nunca esqueci. Entendo que quem vive da arte para pagar aluguel, comer, vestir, estudar etc. passa por esse percalço. Não deixa de ser um bloqueio, é verdade! Talvez por isso, gosto da minha situação de não depender da pintura pra viver, mas seria uma vida sem graça (acho) viver sem pintar, apreciar, contemplar. Aprendemos muito através do simples olhar... do olhar simples que a grande maioria não tem ou não presta atenção.
Beijos. Saudade!
 

Digo querido, adorei ver seu comentário...

Concordo totalmente quando você diz que estamos criando o tempo todo, comigo acontece muito isso. Seja através da contemplação de algo, ou mesmo através do nosso olhar cotidiano que reordena as coisas ao nosso redor, recriando-as de um outro modo de acordo com nossa percepção. Ou simplesmente através da elaboração das nossas próprias ideias e opiniões. Mesmo que tudo isso se passe no plano abstrato, no reino da imaginação...estamos sempre criando!
Mas esse momento do qual falo em que o artista se depara com algum desconforto criativo é precisamente quando tenta “concretizar” suas ideias, traze-las para o mundo material. Me refiro a situações em que o artista mergulha mais fundo no processo de encontrar suas próprias imagens, perscrutar esse espaço misterioso dentro dele mesmo que contem todo o seu universo peculiar com suas próprias referencias. Muitas vezes o artista prefere ficar num espaço mais confortável e fazer suas buscas no domínio do conhecido, permanecer num campo de investigação mais previsível. Desse modo ele mantém um certo controle sobre o desenrolar do seu processo. Nesse caso acredito que sim, talvez esse artista não se encontre com a face enigmática e a ameaçadora do “bloqueio criativo”. E “pense” que com ele isso não acontece...Mas isso é uma escolha, que as vezes se passa no plano do inconsciente sem que ele mesmo perceba isso assim tão claramente.
Quanto ao uso de materiais de qualidade ou experimentar materiais diferentes, acredito que sim, eles abrem muitas possibilidades de criação. Mas dai, estamos falando de técnica e não de processo. O que é totalmente diferente.
muitos beijos e arte sempre, mesmo que tudo fique no plano da imaginação criadora...