Friday 28 August 2009

“A arte morreu ?!”



Podemos entender a arte como uma das manifestações humanas onde os acontecimentos se situam em fronteiras imprecisas. O espaço e o teor desses acontecimentos abrangem aspectos psíquicos, físicos, sociais, intelectuais, e todas as questões pertinentes ao homem.

Durante toda a história da arte, os artistas percorreram diferentes caminhos na tentativa de expressar essa condição humana, suas dores, anseios, alegrias, sua maneira de estar no mundo enfim. E também, as conseqüências de sua presença no meio em que vivemos.

Alguns períodos dessa história tiveram uma força maior, e conseqüentemente maior influência nas grandes questões levantadas pela arte e pelos artistas.
Sem dúvida o Modernismo foi um deles. Num crescente movimento, instaurou mudanças de real e forte impacto na manifestação da arte e da expressão das diferentes linguagens da arte. Especialmente na virada do século XIX para o século XX, Cézanne e Van Gogh trabalharam em importantes e diferentes questões que iriam mudar o eixo da arte posteriormente

O resultado dessa busca foram todos os demais acontecimentos e movimentos posteriores. Como os tumultuados e prósperos anos 20, e mais tarde os anos 60, com suas famosas vanguardas.

Para entender o significado que as obras daquele período tiveram - e tem até hoje, é necessário também entender todo o contexto histórico daquele momento, que num movimento natural já vinha apresentando diversas e importantes mudanças. A descoberta da física quântica, a Revolução Industrial, tecnologias de mídias de massa, a psicanálise de Freud, a linguagem e os arquétipos de Yung, só pra citar alguns.
Os artistas traduzem em obras as mudanças que vão acontecendo no mundo.

Pra ilustrar bem essa questão aconteceu no Van Gogh Museum (Amsterdam) a exposição
Avant-gardes '20 '60 Highlights from the Stedelijk Museum collection
26 June 2009 - 23 August 2009
Importantes obras da coleção do Stedelijk Museum foram apresentadas, (O Stedeljik está em reforma e deve ser reaberto no começo de 2010).

Um conjunto de obras formado por pinturas, obras tridimensionais (maquetes de arquitetura, cadeiras de designers, esculturas e objetos), fotografias que refletem e explicam claramente toda a trajetória até aqui. Durante todo o percurso da mostra, o olhar e o espírito vão fazendo uma leitura dinâmica daquele período, e entendendo melhor todo o processo que acontece em determinado momento da história e da vida. As perguntas feitas, os problemas propostos, as soluções encontradas e as incógnitas que permanecem...Tudo está ali e tudo faz sentido. É (foi) coerente e pertinente para “aquele” momento.
Final da mostra.
A parte triste do acontecimento é a inevitável e surrada pergunta:
“A arte morreu mesmo!?
Fica pairando na mente a dúvida que não quer calar...
A que ponto atualmente a arte vive ou sobrevive de fato? Após todo esse trajeto histórico, o que de realmente novo a arte contemporânea nos propõe? Quais os caminhos e meandros que se propõe investigar e que nunca tenham sido levantados antes? Ou que sejam abordados de outra forma, mas que tenham igual importância? Pra qual direção os artistas estão olhando, e principalmente, qual a qualidade desse olhar?

Não quero ser pessimista, do contra, ou qualquer coisa que ateste o fim da arte. Mas inevitavelmente podemos observar uma repetição de fórmulas que já foram testadas no passado, que para aquele período faziam todo o sentido, mas hoje são apenas mais-do-mesmo.

Parece-me que a arte perdeu a “qualidade”. Não aquilo de ser “bem feito, ou mal feito”, sem acabamento. Não, nada disso! Refiro-me a qualidade de pensamento, de investigação, de proposta mesmo. Não quero detratar colegas artistas, (eu mesma não tenho nada de novo a propor) ou denunciar o fim da arte. Apenas uma constatação, de algo não vai bem. A arte está com febre.
Muita febre!
*...enveredando por outros caminhos agora, permito-me sugerir a maluca idéia: Não será esse o caminho? Ficar bem doente, com muita febre, e depois expurgar tudo que possa obstruir um novo acontecimento, limpar o velho olhar e dar lugar a uma nova maneira de se comunicar a arte...

Saturday 1 August 2009

Rembrandt o homem e a obra


The three crosses -1653 (1653, 385 x 450 mm-Agua forte)**



Falar sobre Rembrandt é evocar o que a arte tem de melhor, de mais sincero e nobre. Sincero, porque ele seguiu suas próprias regras. Uma arte comprometida com ela mesma. Nobre, porque apesar de tantos infortúnios em sua vida ele seguiu adiante com sua arte, tornando-a cada vez melhor, em significado, dignidade e importância. 
Necessário esclarecer antes de mais nada a respeito do mito, da lenda que inevitavelmente emerge em torno dos artistas em geral e especificamente no caso de Rembrandt pela falta objetiva de registros sobre sua vida.
Muito pouco se sabe sobre fatos reais e muito se especulou a respeito dos acontecimentos ao longo de sua vida. Durante muitos anos Rembrandt foi retratado romanticamente por vários autores e estudiosos da arte e essa perspectiva teve alguma influência no modo de ver sua obra. No meu próprio modo, devo confessar.
Sua vida privada foi um turbilhão de sucessos e fracassos, mas não apagaram seu brilho e sua obstinação. Seus dramas pessoais foram marcados por grandes e importantes perdas ao longo de sua vida mas acima de tudo, foi um ser que superou a si próprio.  Suas aflicoes e dissabores enalteceram e engrandeceram seu espírito e por consequência seu trabalho. Isso aparece óbvio diante de cada obra sua. Especialmente os auto retratos da fase madura em que o olhar e o semblante do homem, espelham a nossa própria condição humana.



                                The Jewish Bride c.1665


 
Rembrandt nasceu em Leiden, em 15 de Julho de 1906. Apesar de família simples, estudou na Escola de Latim onde recebeu uma formação clássica em latim, nas Escrituras Bíblicas e nos pensadores antigos. Cedo descobriu sua vocação e se tornou aprendiz de Jacob van Swanenburch, um obscuro pintor em Leiden. Mais tarde, em Amsterdam, foi aluno do já consagrado pintor Pieter Lastman. Absorveu rapidamente tudo o que lhe interessava e pouco tempo depois estabeleceu-se em Leiden como pintor independente, com seus próprios alunos e estilo.

Em 1631 mudou-se para Amsterdam, naquela época um local prospero e importante devido as conquistas  e ao comercio marítimo da Holanda. A compra e venda de arte era um abundante e promissor negocio. Ricos mercadores eram os mecenas da arte numa época em que a Igreja e a Aristocracia já nao faziam mais essa papel. A oferta de arte era tão abundante na Holanda que ate mesmo as pessoas comuns podiam comprar uma peca de arte. Os artistas proliferavam e pintavam e vendiam como nunca antes.

Rembrandt usufruiu abundantemente daquele momento. Desfrutou fama e dinheiro sendo um dos mais bem sucedidos artistas na época.  Sua vida pessoal no entanto foi marcada por perdas e infortúnios. 
Em 1634 casou-se  com Saskia van Uylenburgh, prima de um negociante de artes de sucesso. Saskia deu à luz quatro filhos, mas apenas o último, Titus, sobreviveu. Em 1642 Saskia veio a falecer com apenas 30 anos. A vida domestica de Rembrandt passa a contar com Geertje Dircks uma ama de leite do filho Titus - que provavelmente já vivia na casa antes de Saskia falecer.  Conjeturas de que Geertje e Rembrandt eram amantes proliferavam, o que mais tarde traria muita adversidade a vida do pintor.

Em torno de 1647 uma nova personagem entra na vida de Rembrandt: Hendrickje Stoffels. Contratada como empregada domestica,  ela acabaria se tornando sua esposa e com a qual teve uma filha, Cornelia. Foi sua companheira nos momentos mais  difíceis da sua vida. 

Enciumada, Geertje o leva aos tribunais exigindo indenização por uma promessa de casamento nao cumprida. Rembrandt por sua vez a acusa de roubar as joias da falecida esposa Saskia. Rembrandt  é condenado a pagar uma indenização anual a Geertje. Ela por sua vez também  é condenada e enviada para uma ‘casa de correção’ algo como um hospício, onde permaneceu por 5 anos.




  Self portrait with beret and turned up collar. 1659.



O sucesso financeiro de Rembrandt, o levou a viver uma vida de abundância e extravagâncias e a gerir mal seus recursos. Resultando na sua falência financeira em torno de 1656. De artista renomado e rico ele passou a dever até mesmo sua própria casa.

Um inventário de sua coleção de arte e antiguidades, tirada antes de um leilão para pagar suas dívidas, mostrou a amplitude dos interesses de Rembrandt: escultura antiga, pinturas renascentistas e italianas, arte do Extremo Oriente, obras holandesas, armas e armaduras. Infelizmente, os resultados do leilão - incluindo a venda de sua casa - foram decepcionantes.
Seu infortúnio no entanto não terminou por ai. Em 1662 sua amada
Hendrickje com quem viveu por mais de 15 anos veio a falecer. Mais tarde, em 1668 foi a vez de seu filho Titus, com apenas 27 anos de idade.  Onze meses depois , em 4 de Outubro de 1669, Rembrandt morreu em Amsterdam.

Particularmente entendo o homem Rembrandt um ser como qualquer um de nós, sujeito as vicissitudes da vida. O sofrimento o atingiu de um modo natural e orgânico como afetaria qualquer um de nós. Portanto o sofrimento deixa de ser categorizado na ordem do "mito" e nos conectamos imediatamente ao homem.


Estar diante de um Rembrandt  é impossível ao espectador não entrar em devaneio, sonhar acordado e divagar diante de seu chiaroscuro, da qualidade evocativa de suas luzes e sombras.  O significado da sua obra esta muito além do emprego adequado e genial da técnica. Tem algo que transcende toda a explicação teórica, toda critica e conhecimento racional sobre aquilo que ele produziu. Somente tendo a oportunidade de conhecer pessoalmente suas obras é possível ter um certo entendimento sobre seu significado. 





 
A Woman bathing in a Stream (Hendrickje Stoffels?), 1654









*Gravura- técnica que se utiliza de matrizes de superfície dura como madeira, pedra ou metal - onde sao feitas incisões, corrosões e talhos com instrumentos e materiais especiais. Depois de preparada a matriz o artista faz impressões sobre papel (ou outro material). Geralmente as gravuras tem tiragem limitada em exemplares iguais, numerados e assinados. A primeira impressão, chama-se prova de estado ou prova do artista. Existem diferentes tipos de gravuras em função do material empregado: litografia (matriz em pedra), gravura em metal, xilogravura (madeira), serigrafia.
** A obra que ilustra este texto: The Three Crosses,1653. (385mm x 450mm)
Nesta cena bíblica Rembrandt mostra a crucificação de Jesus no Monte Golgota. Toda a composição foi desenhada com ponta seca e buril diretamente sobre a chapa de metal (matriz).
A técnica de gravura utilizada foi a agua forte.