Saturday 12 May 2012

O computador e a gambiarra





...algo me intriga ultimamente e tenho pensado sobre o assunto. Percebo que crianças muito pequenas já estão totalmente envolvidas com toda espécie de gadgets ou geringonças eletrônicas. Mãozinhas hábeis em deslizar pelos sensíveis touch screens, aptas a fazer escolhas entre inúmeros ícones, cores e formas atrativas. Celulares e tablets viraram os brinquedinhos favoritos dos pequenos. Eles ficam fascinados com aquelas janelinhas cheias de possibilidades, surpresas, ação, movimento, cores, sons e desafios. Também não poderia ser diferente porque elas realmente são irresistíveis e cada vez mais surpreendentes. Para os pequenos então, uma porta escancarada à curiosidade e diversão.
Mas o que me intriga é como isso vem acontecendo, a forma como estamos lidando com as novas tecnologias em relação aos nossos filhos. Digo novas  porque é uma situação nova pra geração que agora tem filhos pequenos. Nunca antes nos deparamos com esse tipo de questão.
Olhando de perto temos duas situações que se apresentam complementares e até um pouco paradoxais. Por que paradoxal? Porque ao mesmo tempo é bom e ruim. Complementares? Porque se soubermos lidar com sabedoria pode ser aliadas no desenvolvimento e aprendizado.
Por um lado temos crianças que já nascem num ambiente totalmente afetado pelas tecnologias de comunicação. Familiarizados no manuseio desses dispositivos, os pequenos hoje usam a internet até pra fazer a tarefa de casa. Ferramentas de auxílio à alfabetização são eficazes prestadores de ajuda às crianças e a todos os envolvidos no processo. Agilizam o aprendizado de forma eficiente e divertida ao mesmo tempo. Aprender nunca foi tão prazeroso diante de um web site de alfabetização, de jogos de matemática, de imagens dos planetas e sua localização no espaço tridimensional e tantas outras possibilidades de interatividade pedagógica ofertadas pela rede.  
Uma realidade que deve ser levada em conta por pais, professores e educadores.
Mas como decidir o momento certo de permitir a entrada dos gadgets na vida dos pequenos? Me preocupa um pouco ver tantas crianças cada vez mais novas tão envolvidas com esses aparatos modernos Ou outras em idade escolar quase coladas em seus computadores: comendo, bebendo e vivendo sem nem ao menos tirar os fones de ouvido. Hora da refeição? Cada um por si, de preferência diante da telinha do PC. 

Será exagero da minha parte?

Por outro lado, me pergunto de que maneira isso tem afetado o desenvolvimento das crianças enquanto seres criadores e criativos.
A interação com esse tipo de tecnologia exige uma atitude mais passiva por parte da criança. Enquanto brinca no computador somente uma parte do seu ser esta presente: seu cérebro, pura lógica e razão. Por mais que os jogos atuais ou o layout dos aplicativos apresentem certo dinamismo no manuseio, as crianças apenas usam alguns aspectos da inteligência ou da cognição. Outros aspectos ficam negligenciados. Acredito que não podemos perder de vista o lado lúdico das brincadeiras. A fantasia, tão importante na elaboração das vivências da criança.

Não estou fazendo nenhum juízo de valor, nem apontando o dedo para quem quer que seja. Nem mesmo sou contra a interatividade e uso da internet pelas crianças. Minha filha de 7 anos a pouco tempo foi mordida pelo bichinho virtual (pra ser sincera acho que consegui uma proeza em segura-lá  tanto tempo longe do mundo virtual). Sei bem como é lidar com esse desafio quase que diariamente porque os pequenos ficam fascinados diante de uma telinha de computador.
O que eu questiono é como fica a capacidade de brincar, interagir com as outras crianças, seus pares. Sabemos que a brincadeira tem uma função real na vida das crianças, brincar é muito mais do que apenas distração ou lazer. Através da brincadeira e da fantasia a criança aprende a elaborar conteúdos super importantes na construção do seu ser, arquitetando sua futura vida adulta. Através das vivências nas brincadeiras, elas aprendem a lidar com seus sentimentos e emoções.
Onde fica a criatividade, aquela qualidade tão humana que nos torna tão especiais enquanto seres? A capacidade de inventar, misturar elementos, fazer gambiarra! Ah, fazer gambiarra! é o que tem de mais puro, criativo, inspirador dentro de cada um de nós. E essa capacidade é tão presente na infância, matéria prima pra tudo.
Não podemos deixar nossas crianças perderem o dom da poesia, da arte, da emoção de inventar e criar algo com as próprias mãos e com a própria capacidade criadora. O encanto mágico das descobertas. Isso ajuda a construir a auto-estima, o amor próprio, nos traz um sentimento de pertencimento ao mundo humano naquilo que ele tem de melhor. Brincar à moda antiga traz tantos benefícios! Exatamente como todas as crianças brincaram desde sempre: de casinha, de boneca, cuidar do bebê, lutas e guerras para os meninos, esportes, pega pega, esconde esconde, amarelinha, se lambuzar de tinta, de argila, pintar e desenhar, um ato tão essencial e tão simples. Apenas papel, lápis e... tempo! muito tempo livre. Por sinal tempo livre sem nada pra fazer também é tempo criativo, precioso agente enriquecedor da vida da gente.
Tirar essa oportunidade das brincadeiras é roubar das crianças uma parte muito importante de sua formação e de seu aprendizado. Não oportunizar as brincadeiras é empurrar os pequenos para um lugar que eles desconhecem e que ainda não estão prontos para conquistar.

Usar as ferramentas certas do jeito certo na hora adequada. Essa é a grande questão, o grande desafio dos nossos tempos pra todos nós: pais, adultos e jovens.  Como prestar atenção com cuidado e carinho pra usarmos a tecnologia a nosso favor.




D.W. Winnicott  um estudioso da alma infantil, aponta precisamente nas palavras abaixo a importância do brincar. Médico pediatra e psicanalista ele estudou o universo na criança em todas as suas nuances e sua relação com o mundo. Referência em estudos quando o assunto é criança. O trecho abaixo foi extraído do livro A criança e seu mundo, um clássico do assunto, uma obra de vital importância para pais e educadores. Winnicott abrange vários aspectos da infãncia e traz uma grande contribuição para o entendendimento do universo infantil.

“A criança adquire experiência brincando. A brincadeira é uma parcela importante de sua vida. As experiências, tanto externas quanto internas podem ser férteis para o adulto, mas para a criança essa riqueza encontra-se principalmente na brincadeira e na fantasia. Tal como as personalidades dos adultos se desenvolvem através de suas experiências de vida, assim as das crianças evoluem por intermédio das brincadeiras e das invenções de brincadeiras feitas por outras crianças e adultos. Ao enriquecerem-se, as crianças ampliam gradualmente a capacidade de enxergar a riqueza do mundo externamente real. A brincadeira é a prova evidente e constante da capacidade criadora, que quer dizer vivência.”                                           

D.W. Winnicott, A criança e o seu mundo.
Pg 161;cap.22 - Porque as crianças brincam.