Tuesday, 11 September 2012

O Evangelho Segundo Jesus Cristo - segundo Saramago,






As idéias não tem paredes...



Uma provocação? Uma crítica contumaz ao Catolicismo? Ou apenas a divagação de umas das mentes mais criativas e produtivas da Literatura  Portuguesa e Mundial?
Além de grande escritor Saramago foi uma pessoa polêmica. Sua personalidade rigorosa e franca, de palavras cruas e diretas - por vezes ríspidas -  fez eco pelos cantos mais conservadores e pelas cabeças mais ortodoxas. Ateu convicto, comunista fiel, posicionou-se sempre a favor dos direitos humanos e por paradoxal que pareça foi um defensor da democracia. Segundo sua visão as democracias exercidas no ocidente nada mais são do que “fachadas políticas do poder econômico”.

O Cristianismo e a Bíblia foram alvo de seu interesse e estudo, sob uma crítica mordaz. Sendo ele português, acreditava na importância de entender o catolicismo e como este influenciou toda a cultura de seu país. Segundo ele a Bíblia “é um manual de maus costumes, um catálogo de crueldade e do pior da natureza humana”, um livro cheio de maus exemplos e que não deveria nunca cair nas mãos de adolescentes. Foi tradutor de grandes escritores antes mesmo de firmar-se como um deles. Seu principal alvo foi talvez a Igreja Católica com seus intermináveis e paradoxais dogmas e crenças. O poder absoluto da suprema ordem do Senhor através dos punhos de ferro de seus representantes na Terra, o Clero. A posição política com que a Igreja se coloca sobre os fiéis é o que mais incomodava Saramago.

No Evangelho Segundo Jesus Cristo, Jesus é feito um homem comum, cheio de dúvidas, incertezas e vislumbres. De caráter voluntarioso e sem nenhuma, absolutamente nenhuma aura de divindade. Encontra-se com Deus e o Diabo e sucumbe às tentações da carne nos braços de Maria Madalena, cheio de desejo humano, muito humano - talvez seria isso o que mais irritou a Igreja Católica tão zelosa com o corpo.
Saramago inicia o romance contando a historia de Maria e José, pessoas pobres e comuns que vivem em Nazaré e empreendem uma longa viagem até Belém sua terra natal a fim de participarem do recenseamento ordenado pelo Imperador romano Cesar Augusto. Maria nessa altura já grávida havia recebido a visita do anjo, aparentemente um homem feito um mendigo.

No início do romance,  se o leitor for iniciante de Saramago, pode entediar-se um pouco, pois o relato da viagem cheio de minúcias toma boa parte da obra. O estilo de Saramago sem pontuação convencional talvez pareça um pouco confuso. Mas se insistir e deixar-se envolver pela narrativa, irá com certeza descobrir os encantos e a perspicácia das idéias saramaguianas. Os diálogos que fluem pelo texto são cheios de significados e muitas vezes permeados pela ironia e cinismo, típicos de Saramago - a quem muitos chamaram de SerAmargo, num trocadilho de palavras se referindo ao seu jeito mordaz e ácido, franco e direto de dizer e pensar as coisas.

O livro foi super polêmico, contestado pela Igreja Católica e grupos religiosos. A idéia do herói bíblico mais importante ser visto com qualidades tão prosaicas e mundanas fez ferver o sangue de muitos que viram como provocação e um atentado aos intocáveis e milenares dogmas cristãos.
Mas de qualquer modo seja o leitor um cristão, um judeu ou um ateu a idéia de ser Jesus (no caso apenas um personagem fictício) um ser comum, um simples mortal, não deve ser entendido como afronta a fé de ninguém, nem mesmo ofensa a crenças tão arraigadas. Independente de fé ou das crenças de cada um, Saramago deve ser lido como um autor de ficção (nesse caso). Aos mais sensíveis, aconselho que não se apeguem à crítica ao tema religioso como um fato em si mesmo, há muito mais na literatura do autor do que ridículas picuinhas religiosas.

*Entre 1992 e 2004 o livro causou o afastamento de Saramago de seu país.O então subsecretário de Estado da Cultura, Antonio de Sousa Lara (1992) veta o livro da lista de concorrentes ao Premio Literário Europeu. Segundo ele: "A obra atacou princípios que têm a ver com o património religioso dos portugueses. Longe de os unir, dividiu-os."
Saramago se mostra triste e indignado e parte para Lanzarote com sua esposa Pilar Del Rio nas Ilhas Canárias onde já alternava morada . Somente em 2004 após uma ação diplomática do primeiro-ministro Durão Barroso, Saramago se reconcilia com seu país.
*Saramago faleceu recentemente em 2010 na sua casa em Lanzarote.


 “José, Maria e o burro tinham vindo atravessar o deserto, pois o deserto não é aquilo que vulgarmente se pensa¸ deserto é tudo quanto esteja ausente dos homens, ainda que não devamos esquecer que não é raro encontrar desertos e securas mortais em meio de multidões.” 
O Evangelho Segundo Jesus Cristo, p 61.





                                           José Saramago, foto by Google Images



Romances
*Terra do Pecado, 1947
*Manual de Pintura e Caligrafia, 1977
*Levantado do Chão, 1980
*Memorial do Convento, 1982
*O Ano da Morte de Ricardo Reis, 1984
*A Jangada de Pedra, 1986
*História do Cerco de Lisboa, 1989
*O Evangelho Segundo Jesus Cristo, 1991
*Cadernos de Lanzarote (I-V), 1994
*Ensaio Sobre a Cegueira, 1995
*Todos os Nomes, 1997
*A Caverna, 2000
*A Maior Flor do Mundo (2001)
*O Homem Duplicado, 2002
*Ensaio Sobre a Lucidez, 2004
*As Intermitências da Morte, 2005
*As Pequenas Memórias, 2006
*A Viagem do Elefante, 2008
*Caim, 2009
*Clarabóia, 2010

Peças teatrais
*A Noite
*Que Farei com Este Livro?
*A Segunda Vida de Francisco de Assis
*In Nomine Dei
*Don Giovanni ou O Dissoluto Absolvido

Livros de poesia
*Os Poemas Possíveis, 1966
*Provavelmente Alegria, 1970
*O Ano de 1993, 1975




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