A
arte de Rembrandt é um legado que testemunha a grande capacidade humana de
transcendência, da transformação do infortúnio e da dor em amor. Suas obras do ultimo período exprimem com arrebatamento essa compreensão do mundo. Uma espécie de consolação para o espírito, um alento para os questionamentos da nossa condição humana. O encontro da beleza com o sentido da vida.
Seu valor artístico vai além da estética e da genialidade pictórica, da técnica propriamente dita. Empurrou seus limites além das fronteiras do imediatamente visível e louvável, expandindo os caminhos e significados de sua arte. Sua vida sofreu drásticas mudanças durante as quais ele continuou a criar a despeito das adversidades.
Seu valor artístico vai além da estética e da genialidade pictórica, da técnica propriamente dita. Empurrou seus limites além das fronteiras do imediatamente visível e louvável, expandindo os caminhos e significados de sua arte. Sua vida sofreu drásticas mudanças durante as quais ele continuou a criar a despeito das adversidades.
Retrato de um casal, como Isaac e Rebecca - mais conhecido como "A noiva Judaica". o/s/t 1665-1669. 121,5m x 166,5m. Rijksmusem, Amsterdam.
Um casal é retratado em roupas históricas como os personagens bíblicos Isaac e Rebecca. Nada se sabe de concreto sobre quem seriam esses personagens na vida real. A teoria mais aceita é que seria um casal de contemporâneos eternizados no dia de suas bodas. O que é reforçado por esboços do próprio Rembrandt. Especula-se também sobre a jovem noiva e seu zeloso pai que enlaça um colar de pérolas ao seu pescoço - de onde vem o segundo nome do quadro - A Noiva Judaica - apelidado por um comerciante de artes do século 19.
Rembrandt captou a intensidade e intimidade dos sentimentos entre o casal de modo profundo e terno. Oi dois formam uma única figura conectados pelo sentimento que os une. Delicadeza de gestos e expressões. Aqui Rembrandt expressa toda sua maturidade artística. A luz que jaz sob grossas camadas de tinta na manga do noivo revelam uma técnica que somente anos depois seria retomada por outros artistas. Van Gogh teria dito sobre essa obra: " Eu seria feliz em dar dez anos da minha vida se pudesse continuar aqui sentado em frente dessa pintura por uma quinzena, com apenas um pedaço de pão seco para comer."
Construiu
sua carreira seguindo a formação tradicional dos artistas da época. Frequentou
uma escola onde a ênfase eram os estudos bíblicos e clássicos e a oratória.
Aprendeu o oficio da pintura junto de renomados mestres. Em Leiden sua cidade
natal, com Jacob van Swanenburch e em Amsterdam posteriormente, com Pieter
Lastman. Com o primeiro recebeu as técnicas básicas do oficio e com o segundo
foi treinado como pintor de gênero histórico. Esse tipo de pintura era
considerado o mais sofisticado de todos. Personagens bíblicos, históricos e
mitológicos eram representados em cenas complexas. Trabalhou para eles, de acordo com o sistema das guildas e mais tarde teve seus próprios alunos e seu
próprio atelier.
Entre os principais pintores holandeses foi um dos poucos que
teve reconhecimento e prestigio enquanto ativo. Ganhou dinheiro, fama e status
por algum tempo.
No
inicio pintou muitos retratos e auto retratos, estes últimos foram mais de
oitenta. O uso de seu próprio rosto como assunto pictórico pode ser considerado
apenas por questões praticas ou até mesmo como commodity, já que o tema era bastante popular e vendável na época. Um período na Holanda seiscentista prospero para o mercado da arte. Visto sob a perspectiva do presente, seus auto retratos são um registro de como a visão de si mesmo, reflete a evolução interior de seu estilo.
Logo
vieram as pinturas históricas, bíblicas e mitológicas, temas recorrentes
durante os anos na sua carreira. A gravura foi outra modalidade de arte na qual ele foi um verdadeiro mestre.
Self Portrait , 1959. National Gallery of Art- Washington, D.C.
Rembrandt fez inúmeros auto retratos. Aqui um dos últimos, ele se revela em sua plenitude, tanto como ser humano quanto em sua maturidade como artista. Honestidade, franqueza e dignidade.
Liberdade
de ser e criar
Através
de toda a sua vida o mundo visível foi a fonte imediata de suas inspiração. A impermanência,
os acasos e imperfeições, a matéria bruta que compõe a vida comum e diária. Rembrandt foi uma alma livre. Rejeitou os padrões de beleza e feiura convencionalmente
aceitos na época, escolhendo seguir seu próprio caminho. Sua
obstinação e rebeldia nunca permitiram que fosse governado por quaisquer
convenções que não as que ele mesmo acreditava.
Representou as figuras
e acontecimentos bíblicos de modo laico e modesto. Seus personagens parecem pessoas
comuns, gente do povo ao invés de santos, profetas ou filósofos. São
representados de forma crua, sem maquiagem ou arranjos que pudessem
“emprestar” algum tipo de dignidade,
pompa ou status ao tema/objeto representado. Foi hábil em captar os estados de espírito de seus retratados e através de suas mãos o espectador é capaz de
vislumbrar aspectos além da trivial aparência.
Segundo o historiador Arnold Hauser: “Rembrandt atinge uma fase de
desenvolvimento...diretamente depois do primeiro período como retratista; desse
período em diante, a pintura é para ele uma forma de comunicação pessoal e
direta...que converte em realidade tudo que o olho capta e possui”.
Nos
últimos dezoito anos sua arte sofreu uma radical transformação. A
partir de 1942 sua vida é marcada por crises: incertezas interiores e problemas
exteriores. Entra em crescente colapso financeiro e perde sua esposa Saskia, com a qual teve o filho Tito e outros três natimortos. Reduz drasticamente sua produção e seu
trabalho passa a ser mais experimental, ganha profundidade psicológica e um
caráter mais intimista.
Muitas especulações cercam a vida do artista nesse período, criando um mito que muitos autores contribuíram em manter. Faltam no entanto, registros concretos sobre o que de fato teria provocado mudanças tão drásticas na sua vida privada e profissional.
Bathsheba com a carta de David. o/s/t 1654. 142m x 142m
A Bíblia fala do amor do Rei David por Bathsheba a mulher do guerreiro Uriah. O Rei convida Bathsheba ao seus aposentos através da carta em suas mãos. Ao invés do clássica representação, Rembrandt escolhe nos mostrar a cena de modo diferente. Ele foca no conflito interior de Bathsheba: deve permanecer fiel ao marido ou se submeter aos desejos do Rei?
Gravuras
Rembrandt é considerado um dos maiores gravuristas de todos os tempos.
Sua
importância na arte gráfica compara-se a Durer. Explorou a gravura nas
técnicas
de água forte e ponta seca com uma riqueza de possibilidades e detalhes
deslumbrantes, produzindo obras de rara beleza. Em pequenos formatos
suas
gravuras são como pequenas joias lapidadas. Mínimos detalhes, a
distribuição sutil e delicada da luz e das sombras, os espaços ocupados e
os vazios na composição. Quem já fez gravura consegue compreender
melhor o que isso significa. É uma técnica extremamente precisa, exigente. O artista deve ser rigoroso, perseverante, não só total dedicação e técnica mas sobretudo
talento. Com certeza as gravuras de Rembrandt vão além disso, exprimem
uma gama de efeitos não só técnicos mas de amplo espectro
emocional.
O Sepultamento.
Gravura: água forte e ponta seca; Entre 1952/1956. (21,1cm x 16,2cm)
Cristo esta sendo colocado na tumba enquanto seus entes queridos o rodeiam em espírito de luto. Quase tudo permanece na sombra enquanto o corpo de Cristo é iluminado pela tocha atraindo imediatamente nosso olhar - escondida atrás do homem de costas para nós, As áreas de sombra na cena consistem em fortes e expressivas linhas paralelas dando a tensão necessária ao todo. A escolha do tipo de papel, nesse caso papel Japonês amarelo, reforça o amarelado da tocha de luz. A cena é dramática e triste mas ao mesmo tempo suave e amorosa. Tudo isso em apenas 21,1cm x 16,2cm!
Os trabalhos do período final
O Rijksmuseu apresentou recentemente uma exposição dos trabalhos tardios de Rembrandt, dos últimos dezoito anos de sua carreira. A exposição explorou dez assuntos que "conversam" com o espectador sobre os motivos mais recorrentes na sua carreira. Luz e sombra, os auto retratos, convenções sociais, técnicas experimentais, intimidade, contemplação, conflitos internos e reconciliação.
Mais de cem obras entre pinturas e gravuras. Uma coleção temporária merecedora de toda a honra, entrega, olho e silencio. Ali o mestre se mostra em toda a sua plenitude. O passar do tempo só fez crescer sua arte. Os auto retratos revelam ao mesmo tempo o artista e o ser humano. A passagem impiedosa do tempo nos devolve uma imagem cheia de dignidade e integridade. Os olhos que nos perseguem no espaco da sala de exposição são intensos e puros. Um longo e honesto olhar de quem viveu e trabalhou intensamente. Sabedor de que seu oficio transcende o tempo e a matéria e que um dia nos encontraríamos aqui e agora no futuro.
Rembrandt explora perspectivas inovadoras na posição de seus retratados
revelando-nos seus sentimentos mais íntimos, uma forte característica
desse período. Muitas das figuras são contemplativas, em obras de grande formato:
filósofos, profetas, figuras mitológicas, apóstolos. Há uma comunicação imediata com eles,
através do olhar, de suas expressões faciais, densas ou introspectivas, recolhidas em pensamentos longínquos. Sugerem que algo importante está acontecendo ali, seja no plano do mundo
físico e visível ou no reino dos pensamentos e emoções.
AS CORES.
Cores, luz e sombra. Elementos que o mestre soube como ninguém potencializar, elaborando-as em refinadas misturas. Cores quentes, cheias de energia, afabilidade e ternura. Nos colocam muito próximos do momento em que as coisas acontecem, das emoções dos personagens. Quanta riqueza de nuances nas camadas que se sobrepões
umas as outras formando texturas quase palpáveis aos olhos. Irradiam uma energia que acalma e afaga. Sentimos empatia, um vinculo que nos une e conecta ao universo de Rembrandt.
Talvez esteja aí o porque de nos sentirmos capturados, abduzidos para dentro das telas. As cores nos seduzem, acariciando-nos com seus tons mornos e aveludados, nos levam por enigmáticos caminhos cheios de significados. Nos sentimos tão bem junto dessas imagens, que não temos vontade de partir.
Jacó abençoando os filhos de José. o/s/t 1656. 1,73m x 2,09m.
Gemaldegalerie Alte Meister, Kassel.
Quando Jacó adoeceu, seu filho José trouxe seus filhos para serem abençoados pelo avô. Tradicionalmente a primeira bênção com a mão direita era reservada para o filho mais velho, mas Jacó favoreceu o mais novo. A maioria das ilustrações dessa cena bíblica mostram José muito bravo tentando corrigir seu pai. No entanto aqui, Rembrandt faz sua própria interpretação. Ele escolhe a harmonia ao invés do conflito. José entende a escolha do pai e gentilmente apoia a mão do velho homem.
No seu tempo havia uma convenção em como pintar narrativas históricas, bíblicas e mitológicas. Certas passagens serviriam melhor para ilustrar a mensagem do que outras. Mas ele ousou romper com a tradição escolhendo momentos após um conflito ou tensão onde o personagem reflete sobre seu pesar e se reconcilia com Deus (como em Jacó abençoando os filhos de José, acima).
Joshua Reynolds compara o estilo tardio de Rembrandt com a natureza: "O trabalho (de Rembrandt) produzido de forma "acidental", tem o mesmo livre e desenfreado aspecto que as obras da natureza...". Reynolds se refere as pinceladas livres, soltas, quase que feitas ao acaso. Visto de perto algumas dessas obras parecem ter sido feitas de modo casual. As camadas de tinta, texturas, o rápido e visível rastro do pincel. Em italiano uma expressão dita sprezzatura se refere a esse estilo: um trabalho que parece ter feito ao acaso, um descuido estudado. Fazer algo parecer fácil escondendo os esforços utilizados na sua execução.
Rembrandt é um mestre que merece uma atenção especial, sua obra é rica em significados e leituras. Desvendar seus segredos é um caminho cheio de surpresas e aprendizado.
Uma mulher se banhando em um córrego (A Woman Bathing in a Stream). o/s/t 1654. The National Gallery, London.
Perdida em seus próprios pensamentos uma jovem se banha num córrego levantando o vestido. Ela aparenta estar sozinha...poderia talvez ser a heroína bíblica Susana que é espiada pelos dois libidinosos anciões, como conta a história bíblica. Tal como eles, nos encontramos como voyeurs à espreita da imagem absorta, sensual e delicada da jovem Susana.
"When it comes to the great themes of human existence, there is still no one above Rembrandt." Mark Hudson, The Telegraph
*Rembrandt van Rijn 15 Julho 1606 – 14 Outubro
1669 (site em inglês sobre a vida e obra de Rembrandt
*RIJKSMUSEM - mais obras de Rembrandt
Jovem mulher dormindo. cerca de 1654.
Oi, Mônica!
ReplyDeleteMagnífica postagem! Uma verdadeira aula! Tem uma cena do filme baseado no livro "Madame Bovary" que me lembro da Aula de anatomia do Dr. Tulp. Gosto da primeira fase do artista. Tenho uma queda pelo barroco :)
Beijus,
Super Obrigada Luma! Rembrandt é o meu favorito entre todos os meus "favoritos"
ReplyDeletequal é esse filme que vc fala? beijos e obrigada por visitar o blog