Tuesday 16 March 2010

PERTO, bem perto...

...do coração (selvagem) de Clarice Lispector 

What Clarice achieves is something timeless and a bit spooky. She writes about her soul right at the place where it meets yours.”
Benjamin Moser.

Clarice Lispector de extremos.
Uma escritora paradoxalmente tão popular, quanto não compreendida: ou você ama ou detesta.
Hermética?! Difícil?! Complexa!?
Clarice não é leitura fácil, concordo. Dessas que se entregam á primeira tentativa de aproximação.
...a princípio pode até parecer obscura mesmo, porque a construção de seu pensamento é tão profunda e abrange uma gama de significados tão ricos em interpretação, que nunca ficam na superfície.
Sua leitura requer mais do leitor, é exigente. Instiga a uma viagem, um mergulho pra dentro, vertiginoso. Coisa que poucos estão aptos ou dispostos a fazer. Clarice sempre vai ao fundo das coisas mesmas, experimenta turbilhões, tempestades, êxtases e angústias. Feridas abertas, alma escancarada na eterna busca de si mesma.
Na eterna mística busca de Deus.

O livro CLARICE, (lê-se Clarice vírgula) por Benjamin Moser - lançado no final de 2009 pela Cosac Naify no Brasil - organiza um entendimento da escritora, da pessoa e do mito que foi Clarice Lispector.
Mais do que tudo, promove um contato com o universo do ser Clarice.
Sua humanidade, seu caráter, seu coração, suas feições além e aquém da escritora Clarice Lispector. Vida e obra se misturam e são cúmplices no intrincado caminho de vida da escritora, mulher, mãe, esposa, irmã, amiga, pessoa, ser.
Benjamin Moser mergulhou profundamente na vida de Clarice, e dedicou cinco anos na construção da sua biografia, inclusive viajando para lugares importantes para ela: onde nasceu, morou, viveu e morreu.
Tecendo uma narrativa rica em detalhes, perscrutando os rastros deixados por sua passagem:

“No início, pensava que ia incomodar as pessoas, ligando, batendo em portas no mundo inteiro, mas logo me dei conta de que elas queriam contar suas histórias, falar de suas vidas e de Clarice, que marcou todos que a encontraram”. Benjamin Moser.

A pesquisa de Moser se concentrou na Europa Oriental, na Ucrânia, onde nasceu e no Brasil, lugar onde cresceu e segundo ela o único lugar do mundo que ela conseguia respirar livremente.
Sua abordagem acontece sob diversos ângulos, contextualizando os acontecimentos da vida pessoal de Clarice dentro do cenário histórico daquele momento: política, economia, sociedade, cultura.E vai além, traçando com detalhes e conhecimento de causa importantes acontecimentos na esfera política nacional.
Desde o inicio do livro vamos enveredando pelos caminhos propostos por Moser, num intrincado labirinto de acontecimentos, onde dor, angústia, alívio, surpresa, alegrias, encontros e desencontros vão se sucedendo.
Iniciando a viajem de descoberta num pequeno povoado na Ucrânia chamado Tchechelnik, onde Clarice nasceu em 1920.
Desse lugar seus pais decidem emigrar para o Brasil, esmagados pela barbárie anti-semita que se alastrava na Rússia, aniquilando a vida de milhares de judeus. Os temíveis pogroms russos. Um mundo de dor, angústia e desespero, do qual a família Lispector nunca mais sairia ilesa, e Clarice guardaria para sempre as marcas indeléveis e as cicatrizes abertas desses acontecimentos. Tão profundamente que perpassam por toda sua criação literária e por sua personalidade.
Moser nos apresenta um conjunto de informações completas sobre os horrores vividos por milhares de judeus russos durante a guerra civil que se seguiu à Revolução Bolchevique de 1917. Relatando um pedaço importante da saga dos judeus no planeta.
O autor investiga as origens judaicas de Clarice na busca do entendimento de sua intrincada e sofisticada obra e de sua relação com o mundo.
Os escritos de Clarice são simbólicos, e por muitas vezes seu conteúdo altamente subjetivo se mescla à abstração.
Penetrar no universo clariciano é uma viagem de entrega e desprendimento, quase uma experiência mística.
Mas Moser nos dá pistas. Interpretando por muitas vezes, delicadamente, algumas passagens de suas obras, sempre relacionando-as a um momento específico da turbulenta vida de Clarice.
Trechos de sua vasta correspondência também são minuciosamente detalhadas no livro, deixando transparecer o lado doméstico e familiar de uma Clarice que poucos tiveram a oportunidade de conhecer.
O livro é uma jóia rara, repleto de preciosidades e uma porta aberta para aqueles que gostam do universo de Clarice Lispector. Recomendo muitíssimo!

Clarice fotografada por Claudia Andujar em 1961.


Sobre o autor

Benjamin Moser conheceu a obra de Clarice quando estava na Universidade.
Decidido a aprender português, caiu-lhe nas mãos A hora da estrela.
“Eu me apaixonei”, disse ele, que desde então só fez crescer seu amor pela escritora.
A decisão de escrever uma biografia sobre Clarice, teve início quando o autor percebeu a lacuna existente fora do Brasil sobre o conhecimento da obra dela. No exterior sua obra é praticamente desconhecida, o que o impulsionou a divulgá-la merecidamente, e fazer-se
"um representante dela fora do Brasil", segundo suas palavras.
Moser já é um conhecedor da cultura brasileira, tendo inclusive morado no país. Fala perfeitamente o português e tem propriedade de sobra pra falar de Clarice.

“Uma vida acaba, mas uma biografia permanece aberta. Novos fatos sempre aparecem” – Benjamin Moser.

Escritor, crítico, editor e tradutor,Benjamin Moser nasceu em Houston, em 1976.
Vive em Utrecht na Holanda.
Estudou na França, depois na Universidade Brown, nos Estados Unidos, sobre América Latina.
Graduado em História,tirou seu M.A. e Ph.D na Universidade de Utrecht.
É tradutor e crítico de livros da Harper's Magazine e colaborador do The New York Review of Books.
Fala seis línguas.
O livro recebeu críticas elogiosas nos principais jornais nos Estados Unidos.

CLARICE, Benjamin Moser, 2009.
Editora Cosac Naify

Why this World - A Biografy of Clarice Lispector. Benjamin Moser, 2009.
Oxford University Press (USA).

*OBRAS DE CLARICE:
Perto do Coração Selvagem (1944)
O Lustre (1946)
A Cidade Sitiada (1949)
A Maçã no Escuro (1961)
A Paixão segundo G.H. (1964)
Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres (1969)
Água Viva (1973)
A Hora da Estrela (1977)
Um Sopro de Vida (pulsações) (1978)
Conto
Alguns Contos (1952)
Laços de Família (1960)
A Legião Estrangeira (1964)
Felicidade Clandestina (1971)
A Imitação da Rosa (1973)
A Via Crucis do Corpo (1974)
Onde Estivestes de Noite (1974)
Crônica
Visão do Esplendor (1975)
Para não Esquecer (1978)
Entrevistas
De Corpo Inteiro (1975)
Literatura infantil
O Mistério do Coelho Pensante (1967)
A Mulher que Matou os Peixes (1968)
A Vida Íntima de Laura (1974)
Quase de Verdade (1978)
Obras póstumas
Coletâneas de contos, crônicas ou entrevistas organizadas e publicadas postumamente
A Bela e a Fera (1979) – reunião de contos inéditos escritos em épocas diferentes
A Descoberta do Mundo (1984) – seleção de crônicas publicadas em jornal entre agosto de 1967 e dezembro de 1973
Como Nasceram as Estrelas (1987) – contos infantis
Cartas Perto do Coração (2001) – cartas trocadas com Fernando Sabino
Correspondências (2002)
Aprendendo a Viver (2004) – seleção de crônicas publicadas em jornal entre agosto de 1967 e dezembro de 1973
Outros Escritos (2005) – reunião de textos de natureza diversa
Correio Feminino (2006) – reunião de textos publicados em suplementos femininos de jornais, nas décadas de 1950 e 1960
Entrevistas (2007) – seleção de entrevistas realizadas nas décadas de 1960 e 1970
Minhas Queridas (2007) – correspondências
Só para Mulheres (2008) – reunião de textos publicados em suplementos femininos de jornais, nas décadas de 1950 e 1960
*Pogroms – palavra russa: "causar estragos, destruir violentamente". Historicamente eram violentos ataques, saques, destruição, humilhação, assassinatos e estupros contra as populações judaicas num sinistro método de limpeza étnica.

Fontes de pesquisa
"Converteu-se na sua própria ficção". Paulo francis

3 comments:

  1. Ainda não li o livro que está super comentado aqui. Assim como tudo de Clarice! Clarice nunca esteve tão na boca do povo!! Exposições, performance, documentários, filmes, peças teatrais... Ela merece muito!!

    "Liberdade é pouco - o que desejo ainda não tem nome"

    Bom fim de semana! Beijus,

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  2. Oi Mônica, li o livro e adorei. É ótimo. Só achei que ele se alongou demais nas tentativas de interpretar os textos de Clarice. Mas recomendo com fervor!

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