Guernica, 1936- 7,8m X 3,5 m Museu Reina Sofia, Madri-Espanha, foto:Monica Cella
GUERNICA, de Pablo Picasso
A obra emblemática do século XX
A arte a favor da VIda!
O fato:
Entre 1936 e 1939 a Espanha viveu uma das guerras civis mais sangrentas do século XX, onde morreram mais de 1 milhão de pessoas. O general Francisco Franco e seus seguidores nacionalistas se rebelaram contra o governo legitimamente eleito pela Frente Popular (republicanos). Franco obteve o apoio dos governos fascistas da Alemanha e Italia.
Enquanto que os republicanos foram apoiadaos pela União Soviética e por simpatizantes socialistas.
Em 26 de Abril de 1936 o povoado basco de Guernica sofreu um covarde e mortal ataque aéreo. Situado na província de Vizcaya, no País Vasco, a capital cultural e histórica do povo vasco.
A Legião Condor de Hitler, um grupo com os melhores aviões e aviadores de elite alemães a mando do general Franco bombardeiam e dizimam a população formada por civis indefesos. Guernica era um território neutro, mas tinha um significado simbólico porque antigamente lá se reuniam a Assembléia Geral de Viscaya. Sob uma árvore (Guernica) que era símbolo da liberdade dos vascos, prestavam juramento. A escolha do povoado não se deu por razões militares, afinal era zona neutra, mas sim como uma maneira de abalar psicologicamente os Republicanos e aliados.
O fato repercutiu internacionalmente e Picasso foi convidado a fazer uma obra para Exposição Internacional de Paris de 1937.
A contemplação:
Ver a grande obra pessoalmente é impactante!
Primeiro porque o tamanho da obra de 7,8m X 3,5 m é tão significativo que contemplar Guernica se torna uma ação que envolve o corpo todo, um ato físico, sensorial (como quase tudo de Picasso) o espectador é tragado pra dentro da cena. O formato horizontal é tipicamente narrativo, o que dá conta não só do olhar inteiro que percorre a grande superfície plana de pretos, cinzas e brancos, mas especialmente do significado daquelas contundentes e dramáticas imagens. A dinâmica do acontecimento, que não identifica local nem tempo, acontece da direita (abaixo) para a esquerda (acima) produzindo um empuxo contrário ao movimento natural de leitura (ocidental). Assim a dramaticidade da cena se intensifica.
Fiquei ali num cantinho olhando a tela por um longo tempo... Pensando, pensando...
Depois por outro longo tempo observando o que acontecia a minha volta: um aglomerado de gente se acotovelando para fotografar a obra. Sim, por incrível que pareça, pode fotografar Guernica. Coisa rara na maior parte dos museus, ainda mais sendo essa obra (apenas da sala imediatamente anterior e sem flash, por favor!).
Mas voltando ao assunto, fiquei tentando entender qual o grande mistério por trás de uma obra feita de tela, tintas, formas, símbolos, etc. Em plena era da tecnologia depois de tantas descobertas, ainda continua exercendo tanto fascínio sobre tantas pessoas.
Será produto de marketing? Será curiosidade? Será a importância histórico-política da obra? Será que Picasso imaginou que isso aconteceria tanto tempo depois? Será um pouco de tudo isso?
Mas aí você pode dizer: “Mas é Guernica! De Picasso!” Eu sei, eu sei...
Mas existem muitas obras tão importantes na história da arte e que não tem esse forte apelo popular. Mas isso só não basta.
Para entender essa dinâmica é preciso ir um pouco mais a fundo e investigar como os especialistas entenderam a obra, o contexto em que se deu sua criação, os motivos pelos quais Picasso a criou, a história da arte relacionada á obra.
foto, Monica Cella
Existem diferentes abordagens de Guernica, que já foi interpretada do ponto de vista histórico-político, iconológico, semiótico, etc. Cada abordagem faz uma leitura simbólica de todas as imagens, relacionando-as ao contexto da tragédia da guerra.
Assim, a mulher em chamas poderia representar a população indefesa sob as bombas incendiárias; a mulher que foge a vulnerabilidade das pessoas sem opção a não ser fugir; a cabeça de mulher na janela seria a humanidade que assiste aos horrores sem nada poder fazer, e a luz que ela emite a necessidade de informar a todos sobre a tragédia; no centro da cena um olho (?) com uma lâmpada dentro, poderiam representar os governos que tudo assistem sem nada fazer, ou a invenção tecnológica que também inventou as bombas que dizimaram Guernica; o cavalo ferido de guerra seria a representação das vítimas inocentes; o touro impassível poderia ser o fascismo, ou a alegoria da morte; por outro lado também foi considerado um totem, a imagem heróica do povo espanhol; a mãe com o filho morto nos braços a agressão psíquica e física á humanidade; a pomba símbolo da paz se encontra num espaço reduzido no qual mal pode se mexer, a liberdade e a paz oprimidas. Mas mesmo em meio a tanta destruição ainda há lugar para a esperança, simbolizada na flor que nasce da espada do guerrreiro abatido.
E assim as interpretações se sucedem...
Segundo os estudos iconográficos de Santiago Sebastián (Traza y Baza, 1981) Picasso não se baseou no fato bélico concreto, mas sim com mais liberdade criou uma obra universal.
Foi movido pelo ímpeto humano, pela emoção e comoção de ver seu semelhante matando e morrendo, injustamente.
Picasso se negou a dar quaisquer explicações ou pistas na leitura da obra, segundo suas próprias palavras:
“el toro es un toro, el caballo es un caballo… dejen al espectador que vea lo que quiera ver”
Apenas sei dizer que a obra é impressionante e seu valor para mim reside na força criadora de Picasso que movido pela paixão humana criou uma obra com um simbolismo atemporal, que fala diretamente a cada ser humano. A leitura mais importante de Guernica, eu acredito, e que sensibiliza tanto, não está nos símbolos propriamente ou naquilo que cada elemento possa significar. Mas está implícita na sua complexa essência. Picasso conseguiu transceder a obra, transformando a miséria humana- crueldade, injustiça, maldade, o desprezo pela vida -em uma imagem de contemplação, de esperança e consequentemente de beleza.
O eterno fluxo e refluxo da vida. Yin e Yang. Continuidade e descontinuidade.Vida e morte.
Cheio e vazio...
Picasso vivia em paris quando pintou Guernica. Por sua expressa decisão a obra ficou na custodia do Museu de Arte Moderna de Nova York, até que se instaurasse novamente um regime democrático na Espanha, o que só aconteceu em 1981 quando a obra foi definitivamente para Espanha na ocasião da comemoração do centenário do nascimento do artista.
O que já foi dito sobre Guernica:
• En definitiva Picasso dese expresar la disgregación del mundo víctima de los horrores de la guerra (Jean Cassou; http://bachiller.sabuco.com/historia/Guernica.pdf
• “el cuadro de Guernica es un acto político, un ataque explícito al militarismo y una denuncia a la indiferencia de la democracia burguesa” J. Campás Montaner, en Avizora Publicaciones.
• “...del bombardeo de la villa de Guernica no le ha quedado a este cuadro más que el título. El hecho bélico del genocidio fue sólo el punto de partida para pintar algo intelectualmente trascendental. No hay indicaciones de tiempo ni de lugar; por ello está fuera de la historia. Lo que en el cuadro acontece le sucede a toda la humanidad, y prefigura lo que sucederá en Berlín, Londres, Hiroshima y Nagasaki... La historia ya no es catarsis, es terror”. J. Campás Montaner.
*Museu Reina Sofia
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