WINGS OF DESIRE (Asas do desejo)
"Não sei bem o que me deu a ideia dos anjos. Um dia escrevi ‘anjos’ no meu caderno…Talvez tenha sido por estar lendo Rilke naquele momento– nada a ver com filmes – e perceber enquanto lia, o quanto da sua escrita é habitada por anjos. Lendo Rilke todas as noites, talvez me tenha habituado à ideia de anjos por perto".
Wim Wenders
O meu filme favorito entre os favoritos. Aquele filme que marcou e você leva sempre junto do coração, na caixinha das memórias
afetivas. É um filme-poesia.
Um pouco melancólico. Mas apesar disso, cheio de beleza, delicadeza e ternura. O filme começa com Damiel escrevendo e recitando os versos iniciais de um poema de Peter Handke: Canção da Infância.
Em 1986 depois
de oito anos vivendo nos Estados Unidos, Wim Wenders volta para Berlim e
decide fazer um filme sobre seu país de origem, a Alemanha.
"Eu sentia falta da minha lingua materna. Eu estava começando a sonhar em Inglês e isso não era algo que eu gostaria que me acontecesse. Começei então, a ler mais na minha própria língua. E o que considero o alemão mais bonito são os poemas de Rainer Maria Rilke. Eu queria muito voltar 'à Europa', e de todas as cidades possíveis escolhi Berlim, que era a cidade mais próxima do meu coração."
Sem nenhum projeto
inicial em mente, ele relata que andava pelas ruas da cidade na
esperança de que a cidade mesma lhe sugerisse uma historia. A única
coisa em comum em toda a cidade que ele via era o céu. "Der Himmel Uber
Berlin" - O céu sobre Berlim. Outro elemento que lhe chamou a atenção eram os anjos presentes na arquitetura da cidade. Vários anjos espalhados pelos mais diversos lugares. A simbologia dos anjos atraiu sua atenção. Seres que podem estar em todos os lugares, atravessar paredes, ver o pensamento e as emoções das pessoas.
"Ao passear por Berlim, via anjos por todos os lados, como monumentos, esculturas ou relevos em locais públicos. Mais do que em qualquer outra cidade. Eu estava realmente à procura de uma história que me pudesse ajudar a contar a história da cidade. Certamente não queria fazer um documentário sobre Berlim. Procurava um personagem através da qual pudesse contar o melhor da cidade. Eventualmente, a minha leitura noturna sendo povoada por anjos, e os anjos que fotografei e encontrei por toda a cidade, levaram-me à conclusão de que não iria encontrar melhores personagens para o meu projeto. Comecei então a inventar uma história que tivesse anjos da guarda como protagonistas."
Apesar de dizer nao acreditar em anjos, Wenders se conecta com a idéia desses seres como personagens de seu filme.
"Quanto mais pensava nisso, mais pensava que estava louco. “Queres fazer um filme com anjos!?” Mas a ideia abriu tantas possibilidades de olhar para tantas vidas diferentes, porque estes anjos podiam estar em qualquer lugar. Podiam atravessar a maldita parede. Podiam conhecer qualquer pessoa e ser testemunhas perfeitas da vida na cidade de Berlim. Finalmente tive um ponto de vista abrangente. Não que acreditasse realmente em anjos, mas gostava deles como metáfora".
Em busca de um roteiro, Wenders procurou seu amigo, o escritor e poeta Peter Handke. A partir desse encontro, nasceu o roteiro. Os dois nem sequer se encontravam pessoalmente. Handke enviava envelopes para Wenders, com apenas diálogos, sem nenhuma direção ou descrição. Assim a trama se desenvolveu. Como em um video poema.Fragmentos de poesia conectados pelas 'mãos' de dois mestres.
Inspirado pela poesia de Rainier Marie
Rilke e pela simbologia dos anjos, Wenders junta tudo isso no seu processo criativo e as transpõe para as filmagens através de "improvisos". O filme funciona mais como uma coleção de poemas do
que como uma historia com começo, meio e fim - apesar de ter uma narrativa. Passado, presente e futuro
se misturam. Berlim como uma cidade dividida, com feridas ainda abertas pela guerra, lutando por seu espaço no tempo. Uma cidade cinza e sombria, assim como os seus personagens. Os conflitos e dramas humanos são a energia que movem a narrativa do filme. Através dos personagens nos conectamos com o humano e com o divino em nós. Os humanos e os anjos. A realidade concreta e o mundo onírico. Transitoriedade e impermanência. A solidão e a desesperança. Mas também o prazer e a beleza contidos na simplicidade da vida. No simples fato de estarmos vivos e presenciarmos o milagre cósmico acontecendo todos os dias diante de nossos olhos.
O filme
se passa em preto e branco na visão dos anjos e colorido quando na visão dos
humanos. Lento, como se supõe ser a vida
eterna dos anjos - para que a pressa, se eles tem toda a eternidade?
Os anjos de Wim Wenders se deslocam pela cidade de Berlim, devastada, dividida, cinza e lúgubre. Por cima dos telhados, nas ruas, nos trens. Eles escutam e perscrutam os pensamentos, medos e sonhos das pessoas. Suas emoções e sentimentos. Pais preocupados com os filhos, uma mulher que se descobre grávida, um homem que acha que sua namorada nao o ama mais. Os anjos estão sempre atentos aos transeuntes
que passam - sem se dar conta de sua presença - e os confortam nas suas tribulações e no seu desespero, apenas com sua presença junto deles. Dois mundos que se cruzam e se
comunicam. Mas os anjos não são apenas os guardiões que vigiam, eles são
testemunhas dos tempos desde o começo, desde sempre.
A trama emerge quando o personagem-anjo Damiel (Bruno Ganz), começa a refletir sobre o mundo confuso e caótico dos humanos. Conversando com seu colega anjo Cassiel, ele imagina como seria "sentir" como um humano. Como seria o prazer que os humanos experimentam. Coisas simples, como o sabor de uma xícara de café quente, o sentido da visão das
côres, o frio e o calor, a textura dos objetos ao tocá-los. E assim ele diz: "Voltar para casa depois de um longo dia e alimentar o gato, como Philip Marlowe, 'ter febre', ficar com os dedos pretos por causa do jornal, mentir através dos dentes". Sentir e viver e não somente vigiar e observar a vida que flui, o tempo que escorre num infinito
suceder de eventos.
Assim, ele se apaixona pela trapezista Marion (Solveig Dommartin), uma solitária artista de circo que usa asas de anjo. Damiel se conecta com ela atraves da solidão, ela é sua equivalente no mundo humano. Ambos nao tem raízes. Essa se torna a razão pela qual Damiel, decide renunciar sua imortalidade e descer ao mundo dos humanos
para viver com eles e como eles - seria uma referência ao "anjo caído", Lúcifer, que se rebela com a Ordem Maior do Universo?
Ao abandonar sua imortalidade ele náo pode mais ficar rondando-a mas sim deve arriscar-se na vida real: “Agora eu sei o que nenhum anjo sabe”, ele quer dizer que encontrou sua humanidade.
Ali, sentados diante da tela do cinema, nós nos sentimos um pouco como os anjos. Somos também apenas espectadores, testemunhas, sem poder interagir
fisicamente com aquele mundo que se desenrola diante dos nossos olhos. Não podemos interferir no fluxo das coisas que estão
acontecendo ali.
O
valor das artes está aqui explícito: através da poesia e beleza contida
nelas, compartilhamos nossa profunda humanidade. A arte desperta em
nós aquilo que verdadeiramente somos. Nossa capacidade de nos conectar
com uma amplitude de emoções que nos eleva
Song of Childhood – Peter Handke
When the child was a child
It walked with its arms swinging,
wanted the brook to be a river,
the river to be a torrent,
and this puddle to be the sea.
When the child was a child,
it didn’t know that it was a child,
everything was soulful,
and all souls were one.
When the child was a child,
it had no opinion about anything,
had no habits,
it often sat cross-legged,
took off running,
had a cowlick in its hair,
and made no faces when photographed.
When the child was a child,
It was the time for these questions:
Why am I me, and why not you?
Why am I here, and why not there?
When did time begin, and where does space end?
Is life under the sun not just a dream?
Is what I see and hear and smell
not just an illusion of a world before the world?
Given the facts of evil and people.
does evil really exist?
How can it be that I, who I am,
didn’t exist before I came to be,
and that, someday, I, who I am,
will no longer be who I am?
When the child was a child,
It choked on spinach, on peas, on rice pudding,
and on steamed cauliflower,
and eats all of those now, and not just because it has to.
When the child was a child,
it awoke once in a strange bed,
and now does so again and again.
Many people, then, seemed beautiful,
and now only a few do, by sheer luck.
It had visualized a clear image of Paradise,
and now can at most guess,
could not conceive of nothingness,
and shudders today at the thought.
When the child was a child,
It played with enthusiasm,
and, now, has just as much excitement as then,
but only when it concerns its work.
When the child was a child,
It was enough for it to eat an apple, … bread,
And so it is even now.
When the child was a child,
Berries filled its hand as only berries do,
and do even now,
Fresh walnuts made its tongue raw,
and do even now,
it had, on every mountaintop,
the longing for a higher mountain yet,
and in every city,
the longing for an even greater city,
and that is still so,
It reached for cherries in topmost branches of trees
with an elation it still has today,
has a shyness in front of strangers,
and has that even now.
It awaited the first snow,
And waits that way even now.
When the child was a child,
It threw a stick like a lance against a tree,
And it quivers there still today.
Diretor: Wim Wenders
Ano: 1987
Produção Alemanha/Franca
Elenco:
Bruno Ganz - Damiel
Solveig Dommartin - Marion
Otto Sander - Cassiel
Peter Falk - ele mesmo
Curt Bois - Homer
Hans Martin Stier
Elmar Wilms
Sigurd Rachman
Beatrice Manowski
*A continuação da Asas do Desejo, é Tao Longe Tao perto (So faraway so Close).
*O filme tem a participação especial
de Nick Cave and the Bad Seeds -a clássica banda de rock alternativo dos anos
80
*A atuação do ator Peter Falk como ele próprio e
como um anjo que se tornou mortal.
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