Wednesday, 2 March 2016

George Hendrik Breitner, Meninas de Quimono.





     The Red Kimono, 1896, George Hendrik Breitner. Stedelijk Museum Amsterdam



A alma feminina de Breitner
  
RIJKSMUSEUM, Amsterdam.
20 Fevereiro a 22 de Maio 2016.



A mulher e seus encantos. Beleza e mistério. Forca e delicadeza. Sensualidade e inocência.  Forcas contrárias e aparentemente antagônicas convivem em perfeita ordem no mundo interior das mulheres. Incógnita a ser desvendada por poetas, artistas e amantes. Seu fascínio sempre exerceu um forte apelo sobre os criadores e fazedores de arte. Monalisa e seu sorriso enigmático que o diga. A Vênus de Botticelli que encarna com graça e poder a figura feminina. A sensualidade explicita de Olympia de Manet, as musas coloridas de Matisse. E o que dizer das Madonnas de Leonardo da Vinci e Rafael...? São tantas  as mulheres icônicas e emblemáticas ao longo da história da arte que não faço justiça em tentar nomear apenas algumas.
George Hendrik Breitner é minha mais recente “descoberta” nesse vasto mundo das mulheres representadas na arte. Não propriamente uma descoberta porque já tinha visto Breitner antes e até mesmo uma(s) das suas Meninas de Quimono. Mas vê-las numa exposição pela primeira vez todas juntas, é uma overdose de beleza e fascínio, para os olhos e o coração. Sem falar na parte esteta que aprecia com delícia até mesmo os detalhes técnicos das obras e da história por trás das obras que nos conta a exposição.
Uma série de 20 pinturas, 13 Garotas de Quimono e um nu, que o Rijksmuseum de Amsterdam esta apresentando ao público.
Ao longo da exposição o espectador vai conhecendo um pouco mais sobre o artista, seu processo de criação e suas escolhas.  



Girl in a White Kimono, 1894, George Hendrik Breitner. Rijksmuseum, Amsterdam



     The Earring, 1893, George Hendrik Breitner (1857-1923). Museum Boijmans Van Beuningen, Rotterdam.




  Girl in a White Kimono, 1894, George Hendrik Breitner. Rijksmuseum, Amsterdam.



 A exposição é organizada através de  fotografias, desenhos e esboços do artista. Assim o espectador segue um caminho que o orienta no sentido de como o artista produziu as obras. Os quimonos como objeto de desejo vem de sua estada em paris em 1884 quando a moda era o Japonismo.
A partir dos esboços, registros nos seus cadernos e de fotos,  sabe-se que a maioria das Meninas de Quimono pintadas por Breitner é Geesje Kwak. Uma jovem holandesa da cidade de Zandaam, próximo a Amsterdam, que se mudou para a capital junto com a família no ano de 1880. Ela tinha entre 16 e 18 anos na época em que posou para o artista. Seu rosto delicado e corpo esguio e longilíneo contribuem para a peculiaridade das obras.
Poucos artistas conseguem captar com tanta precisão e riqueza o mágico universo feminino. Breitner vai além e atravessa as fronteiras do apenas visível. Perpassa a alma de suas mulheres-modelos trazendo á tona suas emocoes mais secretas e invisíveis aos olhares desatentos. Suas Meninas de Quimono são delicadas, suaves e até mesmo inocentes. Mas por outro lado exibem uma sensualidade voluptuosa e quente, implícita nos pequenos (grandes) detalhes. Nos gestos, na cabeça que pende lasciva sobre o sofá, no olhar lânguido que se revela, na imagem através de um espelho, nos gestos delicados de um momento íntimo da modelo que coloca um brinco diante do espelho. Elas conseguem nos transmitir uma gama de emoções que talvez só as almas femininas tem acesso. Tão simples, tão descomplicado e tão eloquente.






Geesje Kwak in Japanse kimono,1893-1895. G.H. Breitner, 16.8 x 12 cm. Universiteitsbibliotheek Leiden

Saturday, 3 October 2015

FILMES - WINGS OF DESIRE






WINGS OF DESIRE (Asas do desejo)

  

 "Não sei bem o que me deu a ideia dos anjos. Um dia escrevi ‘anjos’ no meu caderno…Talvez tenha sido por estar lendo Rilke naquele momento– nada a ver com filmes – e perceber enquanto lia, o quanto da sua escrita é habitada por anjos. Lendo Rilke todas as noites, talvez me tenha habituado à ideia de anjos por perto". 

Wim Wenders   


O meu filme favorito entre os favoritos. Aquele filme que marcou e você leva sempre junto do coração, na caixinha das memórias afetivas. É um filme-poesia. Um pouco melancólico. Mas apesar disso, cheio de beleza, delicadeza e ternura. O filme começa com Damiel escrevendo e recitando os versos iniciais de um poema de Peter Handke: Canção da Infância.

Em 1986 depois de oito anos vivendo nos Estados Unidos, Wim Wenders volta para Berlim e decide fazer um filme sobre seu país de origem, a Alemanha. 

  

"Eu sentia falta da minha lingua materna. Eu estava começando a sonhar em Inglês e isso não era algo que eu gostaria que me acontecesse. Começei então, a ler mais na minha própria língua. E o que considero o alemão mais bonito são os poemas de Rainer Maria Rilke. Eu queria muito voltar 'à Europa', e de todas as cidades possíveis escolhi Berlim, que era a cidade mais próxima do meu coração."

 

Sem nenhum projeto inicial em mente, ele relata que andava pelas ruas da cidade na esperança de que a cidade mesma lhe sugerisse uma historia. A única coisa em comum em toda a cidade que ele via era o céu. "Der Himmel Uber Berlin" - O céu sobre Berlim. Outro elemento que lhe chamou a atenção eram os anjos presentes na arquitetura da cidade. Vários anjos espalhados pelos mais diversos lugares. A simbologia dos anjos atraiu sua atenção. Seres que podem estar em todos os lugares, atravessar paredes, ver o pensamento e as emoções das pessoas. 

  

"Ao passear por Berlim, via anjos por todos os lados, como monumentos, esculturas ou relevos em locais públicos. Mais do que em qualquer outra cidade. Eu estava realmente à procura de uma história que me pudesse ajudar a contar a história da cidade. Certamente não queria fazer um documentário sobre Berlim. Procurava um personagem através da qual pudesse contar o melhor da cidade. Eventualmente, a minha leitura noturna sendo povoada por anjos, e os anjos que fotografei e encontrei por toda a cidade, levaram-me à conclusão de que não iria encontrar melhores personagens para o meu projeto. Comecei então a inventar uma história que tivesse anjos da guarda como protagonistas."

 

Apesar de dizer nao acreditar em anjos, Wenders se conecta com a idéia desses seres como personagens de seu filme. 

 

"Quanto mais pensava nisso, mais pensava que estava louco. “Queres fazer um filme com anjos!?” Mas a ideia abriu tantas possibilidades de olhar para tantas vidas diferentes, porque estes anjos podiam estar em qualquer lugar. Podiam atravessar a maldita parede. Podiam conhecer qualquer pessoa e ser testemunhas perfeitas da vida na cidade de Berlim. Finalmente tive um ponto de vista abrangente. Não que acreditasse realmente em anjos, mas gostava deles como metáfora".

 

Em busca de um roteiro, Wenders procurou seu amigo, o escritor e poeta Peter Handke. A partir desse encontro, nasceu o roteiro. Os dois nem sequer se encontravam pessoalmente. Handke enviava envelopes para Wenders, com apenas diálogos, sem nenhuma direção ou descrição. Assim a trama se desenvolveu. Como em um video poema.Fragmentos de poesia conectados pelas 'mãos' de dois mestres.  

Inspirado pela poesia de Rainier Marie Rilke e pela simbologia dos anjos, Wenders junta tudo isso no seu processo criativo e as transpõe para as filmagens através de "improvisos". O filme funciona mais como uma coleção de poemas do que como uma historia com começo, meio e fim - apesar de ter uma narrativa. Passado, presente e futuro se misturam. Berlim como uma cidade dividida, com feridas ainda abertas pela guerra, lutando por seu espaço no tempo. Uma cidade cinza e sombria, assim como os seus personagens. Os conflitos e dramas humanos são a energia que movem a narrativa do filme. Através dos personagens nos conectamos com o humano e com o divino em nós. Os humanos e os anjos. A realidade concreta e o mundo onírico. Transitoriedade e impermanência. A solidão e a desesperança. Mas também o prazer e a beleza contidos na simplicidade da vida. No simples fato de estarmos vivos e presenciarmos o milagre cósmico acontecendo todos os dias diante de nossos olhos.

O filme se passa em preto e branco na visão dos anjos e colorido quando na visão dos humanos. Lento, como se supõe ser a vida eterna dos anjos  - para que a pressa, se eles tem toda a eternidade? 
Os anjos de Wim Wenders se deslocam pela cidade de Berlim,  devastada, dividida, cinza e lúgubre. Por cima dos telhados, nas ruas, nos trens. Eles escutam e perscrutam os pensamentos, medos e sonhos das pessoas. Suas emoções e sentimentos. Pais preocupados com os filhos, uma mulher que se descobre grávida, um homem que acha que sua namorada nao o ama mais. Os anjos estão sempre atentos aos transeuntes que passam - sem se dar conta de sua presença - e os confortam nas suas tribulações e no seu desespero, apenas com sua presença junto deles. Dois mundos que se cruzam e se comunicam. Mas os anjos não são apenas os guardiões que vigiam, eles são testemunhas dos tempos desde o começo, desde sempre.   

A trama emerge quando o personagem-anjo Damiel (Bruno Ganz), começa a refletir sobre o mundo confuso e caótico dos humanos. Conversando com seu colega anjo Cassiel, ele imagina como seria "sentir" como um humano. Como seria o prazer que os humanos experimentam. Coisas simples, como o sabor de uma xícara de café quente, o sentido da visão das côres, o frio e o calor, a textura dos objetos ao tocá-los. E assim ele diz: "Voltar para casa  depois de um longo dia e alimentar o gato, como Philip Marlowe, 'ter febre', ficar com os dedos pretos por causa do jornal, mentir através dos dentes" Sentir e viver e não somente vigiar e observar a vida que flui, o tempo que escorre num infinito suceder de eventos.

Assim, ele se apaixona pela trapezista Marion (Solveig Dommartin), uma solitária artista de circo que usa asas de anjo. Damiel se conecta com ela atraves da solidão, ela é sua equivalente no mundo humano. Ambos nao tem raízes. Essa se torna a razão pela qual Damiel, decide renunciar sua imortalidade e descer ao mundo dos humanos para viver com eles e como eles - seria uma referência ao "anjo caído", Lúcifer, que se rebela com a Ordem Maior do Universo?

Ao abandonar sua imortalidade ele náo pode mais ficar rondando-a mas sim deve arriscar-se na vida real: “Agora eu sei o que nenhum anjo sabe”, ele quer dizer que encontrou sua humanidade. 

Ali, sentados diante da tela do cinema, nós nos sentimos um pouco como os anjos. Somos também apenas espectadores, testemunhas, sem poder interagir fisicamente com aquele mundo que se desenrola diante dos nossos olhos. Não podemos interferir no fluxo das coisas que estão acontecendo ali.  

O valor das artes está aqui explícito: através da poesia e beleza contida nelas, compartilhamos nossa profunda humanidade.  A arte desperta em nós aquilo que verdadeiramente somos. Nossa capacidade de nos conectar com uma amplitude de emoções que nos eleva

 


Song of Childhood – Peter Handke

When the child was a child
It walked with its arms swinging,
wanted the brook to be a river,
the river to be a torrent,
and this puddle to be the sea.

When the child was a child,
it didn’t know that it was a child,
everything was soulful,
and all souls were one.

When the child was a child,
it had no opinion about anything,
had no habits,
it often sat cross-legged,
took off running,
had a cowlick in its hair,
and made no faces when photographed.

When the child was a child,
It was the time for these questions:
Why am I me, and why not you?
Why am I here, and why not there?
When did time begin, and where does space end?
Is life under the sun not just a dream?
Is what I see and hear and smell
not just an illusion of a world before the world?
Given the facts of evil and people.
does evil really exist?
How can it be that I, who I am,
didn’t exist before I came to be,
and that, someday, I, who I am,
will no longer be who I am?

When the child was a child,
It choked on spinach, on peas, on rice pudding,
and on steamed cauliflower,
and eats all of those now, and not just because it has to.

When the child was a child,
it awoke once in a strange bed,
and now does so again and again.
Many people, then, seemed beautiful,
and now only a few do, by sheer luck.

It had visualized a clear image of Paradise,
and now can at most guess,
could not conceive of nothingness,
and shudders today at the thought.

When the child was a child,
It played with enthusiasm,
and, now, has just as much excitement as then,
but only when it concerns its work.

When the child was a child,
It was enough for it to eat an apple, … bread,
And so it is even now.

When the child was a child,
Berries filled its hand as only berries do,
and do even now,
Fresh walnuts made its tongue raw,
and do even now,
it had, on every mountaintop,
the longing for a higher mountain yet,
and in every city,
the longing for an even greater city,
and that is still so,
It reached for cherries in topmost branches of trees
with an elation it still has today,
has a shyness in front of strangers,
and has that even now.
It awaited the first snow,
And waits that way even now.

When the child was a child,
It threw a stick like a lance against a tree,
And it quivers there still today.



Diretor: Wim Wenders

Ano: 1987

Produção Alemanha/Franca

Elenco:

Bruno Ganz - Damiel

Solveig Dommartin - Marion

Otto Sander  - Cassiel

Peter Falk -  ele mesmo

Curt Bois - Homer

Hans Martin Stier 

Elmar Wilms

Sigurd Rachman

Beatrice Manowski

*A continuação da Asas do Desejo, é Tao Longe Tao perto (So faraway so Close).

*O filme tem a participação especial de Nick Cave and the Bad Seeds -a clássica banda de rock alternativo dos anos 80

*A atuação do ator Peter Falk como ele próprio e como um anjo que se tornou mortal.

 
 
 
 

 















Wednesday, 23 September 2015

FILMES 1





                                          Filme Wings of Desire. Wim Wenders. 1988.
                                          Foto by Everett/Rex



Ir ao cinema é um ritual. Você decide pelo filme, cria algumas expectativas, compra os ingressos, passa no balcão e compra uma pipoca e entra na sala procurando pelo seu lugar "quentinho". Por algum tempo esse lugar vai te proporcionar uma viagem, uma aventura, uma descoberta. Por algum tempo você vai viver outras vidas e mergulhar pra dentro das emoções daqueles personagens. 
Acomode-se, o filme está prestes a começar...

Se tem algo que eu curto muito é assistir a um bom filme. Nossa atividade preferida em família, desde a escolha do filme aos comentários no final é diversão na certa.
O cinema tem algo mágico (isso é muito clichê eu sei...) tem o poder de nos transportar para dentro daquele universo tão único e especial que é a visão de um diretor. O arranjo de todos os elementos que compõem e constituem o filme: a fotografia, o roteiro, a direção, os personagens, o figurino e tantas outras coisas formam uma liga que amarra e mantém a trama fazendo-nos viajar ao longo da história contada. 
Por alguns momentos a vida fica em suspenso e vivemos outras vidas e outras possibilidades. Os personagens vem até nós, nos convidam a dar um mergulho dentro da sua intimidade, dos seus pensamentos, emoções, sonhos e dramas. E vivemos aquele turbilhão de emoções, vidas e eventos que se entrecruzam e se mesclam com a nossa própria vida. 
Quanto mais bem construido o filme, quanto mais rica e intrincada a vida interior dos personagens, mais oportunidades ele nos oferece. O cinema tem a grande capacidade de expandir a nossa consciência, alargar nossas perspectivas do mundo e até mesmo quebrar nossos paradigmas. Na verdade toda arte tem a potencialidade de fazer isso. Mas a linguagem do cinema por ser mais dinâmica e envolver os sentidos, visão e audição, nos arrebata mais fácil e docilmente, não oferece obstáculos. Somos quase que interceptados, capturados pra dentro daquele mundo como ou sem a nossa autorização. Ao contrário de uma tela ou escultura por exemplo, que requer nossa iniciativa e empenho, nossa participação mais ativa em perscrutar o que está acontecendo ali. Depende da nossa vontade de ficar ou ir embora.
Um filme bem feito pode ser de qualquer tipo, comédia, drama ou ação, ficção científica ou thriller. O que importa é o modo como a historia é tratada, como é elaborada e transformada em um produto não acabado, aberto ao nosso entendimento, participação e ressignificação. Quanto mais camadas de interpretação e significado tem um filme melhor ele é - na minha modesta opinião. Filme bom é aquele que cola em você, mesmo depois que você vai embora ele fica lá, perambulando pela tua cabeça mesmo que você nem perceba a sua presença. Algo aconteceu, algo se transformou, dentro da gente...aquele que entrou nao é mais o mesmo que saiu. Pode ser até uma comédia, daquelas que só se faz rir. E a sensação no final é de leveza, calma e alegria. E isso também é bom e também é transformador e redentor. Sim o mundo pode ser um lugar bom de se estar. Mesmo que momentaneamente, no escurinho do cinema...







Life's a breeze
Genero: comédia
Ano: 2013
Diretor: Lance Daly
País: Irlanda
Pat Shortt and Fionnula Flanagan.
Eva Birthistle, Gerry McCann, Philip Judge, Lesley Conroy, Peter Coonan, Brian Gleeson, Paul Ronan and Kelly Thornton, participação especial de Ryan Tubridy e Joe Duffy.
Os filhos decidem fazer uma faxina na casa da mãe, uma idosa aposentada, sem que ela saiba. Quando ela retorna, eles animadamente a levam para um tour pela nova casa, onde todo o entulho guardado durante anos e anos foi jogado fora. Petrificada, a mãe pergunta pelo colchão...onde supostamente guardava suas economias de muitos anos, um milhão de euros! Começa então uma corrida maluca em busca do colchão que a esta altura já está no sistema de reciclagem de lixo da cidade - Dublin. Uma comédia deliciosa que faz rir e pensar ao mesmo tempo, de um modo leve e suave. Os dramas da vida sem muito drama. O filme aborda algumas questões importantes da vida. Os relacionamentos entre filhos e os pais que envelhecem e as implicações disso na vida cotidiana. O próprio fato irreversível do envelhecimento e suas consequências, vivido pela personagem Nan (a espetacular Fionnula Flanagan). Destaque também para atriz Kelly Thornton (a neta de Nan). Na verdade o filme se sustenta através dessas duas atrizes que se comunicam pelo olhar.  



Holanda, o País das águas II - MAESLANTKERING (Maeslant Surge Barrier)



    Foto: Beeldbank Rijkswaterstaat


Os holandeses têm um caráter pragmático, objetivo, prático e disciplinado. Mas a tenacidade desse povo, seu espírito de união e comprometimento com o todo, o sentimento do coletivo fica muito mais claro e evidente quando nos deparamos com algo concreto, tangível aos olhos e ao entendimento. 
Não só ao alcance da visão, mas com uma abrangência muito maior e de vital importância para a segurança de seu povo. Refiro-me ao espetacular projeto Delta Works
(Deltawerken). Um ícone da engenharia holandesa e da sua maestria no domínio da tecnologia do controle das águas. 
Uma série de barragens, diques, represas, eclusas e comportas que protegem a Holanda da invasão das águas. Seja do mar, dos afluentes dos rios, de inundações por chuvas ou qualquer evento que ameace as terras abaixo do nível do mar. Uma maravilhosa obra de engenharia já chamada pela American Society of Civil Engineers como uma das Sete maravilhas do Mundo Moderno. 
A maioria das obras situa-se na região sudoeste da Holanda e protegem a área do delta dos rios Reno, Mosa e Shelde (Rijn-Maas-Scheldedelta). Isso significa também o enorme porto de Rotterdam, entrada vital para o pleno funcionamento da economia do país.
O projeto Deltawerken demorou cerca de 30 anos para ser finalizado.



                                          Mapa das obras do Delta Work

                                     
A luta contra as águas é presença constante nos Países Baixos. 
Faz parte de seu passado e de sua história, marcando profundamente a alma desse povo - por isso suas características tão assertivas.   
Faz parte de seu presente, através do controle absoluto e preciso do nível das águas. 
Com igual importância fará parte de seu futuro com tantos desafios a serem superados num planeta em que as ações humanas estão afetando drasticamente a natureza.
Olhando para o passado têm-se uma idéia dos constantes esforços para a proteção das Terras Baixas. 
Por volta de 1927/33 quando foi construído o grande dique Afsluitdijk, no norte, já havia planos para a proteção da costa no sul, das freqüentes inundações. Devido à II Guerra Mundial e outras questões o plano foi adiado.
O fator decisivo para a implementação do projeto foi em 1953 quando houve um grande acidente climático, grandes inundações onde as marés altas e um furacão destruíram um dique de proteção no sudoeste do país (onde se encontra o delta dos rios citados acima, Reno, Escalda e Mosa) causando a morte de milhares de pessoas e destruindo mais de 160.000 hectares de terra. O fato foi determinante para que as autoridades revissem o sistema de proteção, empreendendo de vez seu maior projeto hidráulico de contenção das águas, o DELTAWORK.
Ao longo do caminho o projeto inicial foi sofrendo alterações e se adaptando as necessidades de preservação do meio ambiente. O estuário de Oosterschelde (Eastern Scheldt) era inicialmente para ser bloqueado através de uma barreira e suas águas salgadas transformadas em água doce. Devido à pressão da opinião pública (pescadores e ambientalistas) o governo alterou o projeto a assim ao invés do fechamento total optou-se por uma grande represa que permitiria o fluxo das águas e seu controle, preservando assim o ecossistema de águas salgadas. A represa permanece aberta em condições normais e somente quando as águas atingem três metros acima do nível esperado elas então se fecham impedindo inundações. Como complemento de proteção velhos diques foram reforçados, ampliados, outros foram criados e novas rotas de navegação ao porto de Rotterdam e Antwerpia na Bélgica.






                                     MAESLANTKERING (comportas fechadas)







Entre as obras do Delta Work que mais se destacam está a Maeslantkering, citado acima. Situada no Niewe Waterweg a principal rota de passagem dos navios rumo ao porto de Rotterdam.
Foi niciada em 1991 e concluída em 1997.  A grande barreira móvel foi a solução encontrada para proteger o porto de Rotterdam e toda a área em torno. Cidades e áreas de agricultura e também permitir a passagem dos navios.

Ao contrário de uma barreira fixa, a Maeslantkering é composta por dois grandes portões flutuantes ocos, de estrutura de metal. Os braços da estrutura são móveis permitindo a abertura e o fechamento do canal. Conectados à base por uma esfera que funciona como uma articulação móvel no seu eixo de conexão com a base (a exemplo de uma articulação humana). Assim o movimento dos portões não é rígido, permitindo sua mobilidade livremente sob influências de ventos e da força das águas.   
Em condições normais, os portões ficam nas docas laterais em lugar seco e protegido. O funcionamento se dá quando as docas são preenchidas pela água permitindo aos portões flutuarem e lentamente se fecharem. Quando os dois braços se encontram os reservatórios que compõem sua estrutura se enchem de água e lentamente afundam. Assim se forma uma sólida contenção das águas em caso de ameaça de inundação.

Todo o sistema para um eventual fechamento dos portões funciona através de um sofware especial de computadores. Esse sistema por sua vez está conectado com os dados atmosféricos, de oscilação das marés e outros parâmetros. Assim que o nível das águas atinge a marca de três metros, e todos os parâmetros são atingidos, o sistema aciona o fechamento da barreira.




MAESLANTKERING(comportas abrindo)


*Em caso de fechamento, o processo todo leva cerca de 90 minutos;

*A expectativa de acordo com estatísticas é que a Maeslant se feche uma vez a cada dez anos;

*Embora seja ativada, uma vez por ano para fins de teste, a barreira só foi fechado uma vez, em resposta a um aumento nas marés em 2007.

*Quando fechada a barreira o nível de água do lado do lado do Mar do Norte fica mais alto exercendo uma enorme pressão sobre a barreira com força suficiente para derrubar um grande navio;

*A articulação em forma de bola é a maior do mundo, com um diâmetro de 10 metros e pesando 680 toneladas;

*Cada um dos portões tem 22 metros de altura e 240 metros de comprimento;

*Levou seis anos para construir a barreira;

*Para informações mais detalhadas e informações sobre a gestão da água na Holanda, as pessoas podem visitar o centro de informações, que está aberto todos os dias ao lado da Maeslankering, a entrada é gratuita;

*O Europoortkering-project custou 660 milhões de euros;

*MAESLANTKEIRNG (site do museu que fica ao lado da barreira)  
*Aqui tem uma rota turistica que passa por todas as obras do Delta Work (em holandes)
*Site sobre o DELTA WORK

*Ha treze Delta Works nas províncias de Zeeland, Noord-Brabant e Zuid-Holland:

1- Oosterscheldekering

2- Bathse Spuisluis

3- Haringvlietsluizen

4- Brouwersdam

5- Hollandsche IJsselkering

6- Grevelingendam

7- Oesterdam

8- Maeslantkering

9- Philipsdam and Krammersluizen

10- Volkeraksluizen

11- Veerse Gatdam

12- Zandkreekdam

13- Hartelkering



A história conta...

 

Por ser uma baía de grande extensão o Zuiderzee estava exposto as freqüentes tempestades do mar do Norte que forçavam a água para dentro da baía inundando vilas. Idéias a fim de proteger a região já existiam no século 17, mas ainda impraticáveis devido a falta de tecnologia para isso. No entanto somente no século 19, foi possível desenvolver a técnica que implementaria o projeto.

O responsável por isso foi o engenheiro civil holandês Cornelis Lely que em 1891 propôs as bases para a construção de uma barragem (um grande dique) para o fechamento do Zuiderzee, transformando-o em um lago. As águas não tão profundas do Zuiderzee (em torno de 4 metros de profundidade) facilitariam a execução do projeto apesar de toda a precariedade na época. Além disso, o projeto também incluía a construção de quatro polderes no lago (que após a conclusão do projeto se chamou Ijselmeer). Os polderes serviriam como terras cultiváveis para a agricultura. Mais tarde se dividiram em apenas dois.

Mas a idéia de Lely ainda não teria espaço para se concretizar. Em 1913 quando se tornou ministro dos Transportes e Obras Públicas o engenheiro conseguiu alavancar seus planos apesar das resistências. Pescadores ao longo do Zuiderzee estavam preocupados se iriam perder seus meios de subsistência. Outros estavam preocupados que um projeto como este pode criar maiores níveis de água em outros lugares ao longo da costa. O governo preocupado com o custo enorme do projeto.

 Em Janeiro de 1916, durante uma tempestade de inverno vários diques quebraram ao longo do Zuiderzee e o resultado foi inundações como no passado.

 Após este desastre o plano ousado de Lely ganhou apoio popular e em14 de junho de 1918 a Lei Zuiderzee foi aprovada e o projeto foi oficialmente iniciado e assim foi criado o AFSLUITDIJK o maior dique da Holanda com 32 km de estradas sobre ele.

Seus objetivos eram para proteger a região contra enchentes do Mar do Norte, aumentar a oferta de alimentos do país, criando polders que poderiam ser transformados em terras agrícolas e usar o que restou da Zuiderzee para melhorar a gestão da água.



    Oosterscheldekering